INF Outra vez: [pausa] chegou uma vez o senhor engenheiro ao pé de mim… [vocalização] Naquele ano foi um ano seco. Uva passada, passada, passada, mesmo passada, naquele ano. Um ano seco. [pausa] Como estão ali, podem cá vir outro dia que eu venho atendê-las aqui à mesma. Contar aquilo. Foi um ano seco. Um ano seco e, é claro, a uva vinha muito passada, e vinha muito doce. Vinha muito suco, muito doce. E E dava muita graduação. Pois dava! Dava muito alta até! É que ele se fosse a tirar o vinho, com aquela graduação, dava aí catorze ou quinze. É claro, era quase álcool que o homem estava a beber. Embebedava-se só com um copo. E tudo. Mandou-me deitar – os lagares levavam sete dornas cada um –, mandou-me deitar seis ou sete almudes de água por dorna.
INQ Ai!
INF É claro, era muito! É tudo! Eu vou para o escrivente que lá estava, disse assim: "Eh pá! Então ele mandou-me deitar aqui tanta água, neste coiso. Eu vou estragar isto tudo então! Isto depois nem água-pé sai, pá! Isto nem água-pé sai! Não dá nada. Nem água-pé sai"! "Ó tio Guilherme, então como é que a gente há-de fazer"? Coitado, ele até está [pausa] inutilizado, está ceguinho de todo por causa dos diabetes. [vocalização] "Isto não dá nada". Digo eu para ele: "Olha cá, se não tiveres aí serviço… – Que eu tinha lá dois homens! – Se me tiveres aí dois serviços serviço para me dares a dois homens, aos homens de tarde, eu vou lá deitar eu a água sozinho", e tudo. "Vai"? "Pois vou". "Eu não deito essa água, pá. Então, eu arranjo serviço". Ele à tarde chegou lá: "Ó tio Guilherme". – Estava tudo combinado. – "Você, se me de- pudesse dispensar os homens, para ir ali arranjar um pouco de milho à eira", e tal. Disse eu: "Então não posso?! Podem para lá ir à vontade". E foram, levou os homens para lá. Eu fui para dentro do lagar com o almude, liguei uma borracha que lá tinha à torneira com a água, e deitei-me lá dentro. Levei para lá os dois almudes. E deitei dois almudes e meio de água em cada lagar. Ora veja lá a quantidade que eu tinha que deitar de água! Só dois almudes e meio de água em cada lagar. Deitei aquilo e depois enfim, depois borrifei aquilo com a agulheta por cima, com água. Então e que fosse três almudes que eu que eu deitasse lá. Quando foi ao a pesar o vinho, ele ia pesar o vinho ao Entroncamento, foi pesar o vinho, um dia chega ao pé de mim, diz-me: "Ó Guilherme, afinal o senhor engenheiro atinou com aquilo". "Então"? "É porque o o vinho que saiu está bom. Mas ainda podia levar mais água". "P- Podia"? "Pois podia". "Então quanto é que o vinho tinha"? Ele ia lá pesar o vinho ao Entroncamento. "O vinho tinha aí treze, treze e meio, treze e sete, é o que tinha. É o que dava aí". "Então ainda podia levar mais água"?! Eu cá para comigo: olha aqui, tão estão parvos! Se eu vou deitar a água toda, arranjava-a bonita! Então ele assim já abaixou um bocado, se vou a deitar a água toda, ficava água suja [pausa] dentro do lagar. Era uma vergonha! [pausa] Uma vergonha!