INQ1 Mas acho que ainda há um senhor, falaram-me dum senhor velhote, que vive no Tanque e que foi moleiro…
INF1 Vive, sim senhor.
INQ1 Tem ideia?
INF1 Tenho, sim senhor.
INQ1 É para, a gente até tinha o nome dele, Abdão, acho eu.
INQ2 Tenho aqui.
INF1 É. é um senhor que [vocalização] [pausa] Quem vem do aeroporto, [pausa] quem vem da vila para o aeroporto,
INQ1 Sim.
INF1 ele fica ali [pausa] mesmo ao pé daqueles poços de [vocalização] da água, ali ao pé da [vocalização] no Tanque, an- ao entrar o ao aeroporto. Vem-se da vila,
INQ1 Pois e vira-se para o…
INF1 tem uma estrada para aqui, que vem para a gente, e tem outra que vai para o coisa. À esquerda, tem uma casa um um refo-, um refug-.
INQ1 Logo, logo quando se entra?
INF1 Uns [vocalização], qua- Mais ou menos quantos metros, Afonso, para chegar àquele [vocalização] [pausa] ao poço da água?
INF2 De onde?
INF1 De [vocalização] acolá, à partilha daqui da Camacha para o [vocalização] aeroporto?
INF2 Cinquenta metros.
INF1 Mais ou menos uns cinquenta metros. E- Ele depois tem, passa-se aquele reforço, que é da água e depois tem uma entrada com uma casa velhinha ali. E é mesmo ali naquela casa, perguntam onde é a casa do Senhor Ab- Senhor Abdão, que eles vão-lhe dizer. Ah, se esse se–
INQ1 Pois é. A gente queria lá ir falar com ele para ele nos contar como é que era antigamente aquela parte do moinho.
INQ2 O moinho.
INF1 se esse senhor se esse senhor que foi moleiro tantos anos! Agora, é que, já se sabe, está um senhor velhote e [vocalização] já não [vocalização]…
INQ1 Pois.
INF1 Ele, ele até Ele até tem um casal consigo por causa que a mulher morreu e ele agora [pausa] tem esse casal consigo.
INQ1 Pois é. Então como é que se fazia o pão, Senhora Acidália?
INF1 Ora, fazia-se o pão… Quando era de trigo da terra, peneirava-se a farinha, [pausa] duas vezes e depois é que [pausa] se deitava dentro da vasilha. Era uma va- Podia ser uma vasilha de pau e podia ser uma vasilha de barro e, agora, praticamente, é nestas [vocalização] banheiras plásticas. Tenho a minha banheira que é mesmo só daquele [vocalização] serviço.
INQ1 Então e as vasilhas de pau eram, como é que lhe chamavam, essas vasilhas? Como é que se chamavam?
INF1 Era uma selha.
INQ1 Uma selha.
INF1 Uma selha ou um alguidar. Quando era redondo, que havia, dum [vocalização] dum tronco de madeira, fazi- de primeiro faziam: daquele tronco grande, cortavam um pedaço, tiravam-lhe aquela [vocalização] parte toda e ficava [pausa] inteiro. [pausa] Era o alguidar.
INQ1 A esse chamava-se o alguidar?
INF1 Chamava-se o alguidar. E [vocalização] havia outros que eram [pausa] com as tabuinhas postas, tal e qual como as cartolas. É como as cartolas, eram mais…
INQ1 Pois. Já estou a ver como é que é, com arcos de ferro e tudo. Sim senhor.
INF1 Sim senhora. Minha mãe chegou a amassar bastantes vezes numa dessas. E agora praticamente, isso acabaram [pausa] e é nestas [vocalização] banheira plá-, uma banheira plástica.
INQ1 Portanto… e peneiravam aí para dentro?
INF1 Peneirava-se. Peneirava-se duas vezes, tirava-se [pausa] – a gente dizia – tirava-se o farelo e depois coava-se para [vocalização] para tirar o rolão. Desse mesmo rolão, havia gente que fazia o pão. Fazia o pão do rolão para [vocalização] torrar ou comer mesmo assim. Ficava gostoso, do trigo da terra! Esta farinha da padaria cá não tem rolão!
INQ1 Pois.
INF1 E a outra amassava-se, já se sabe, amassava-se o pão, depois acendia-se o forno. Quando a gente via que o forno estava muitos dias [pausa] sem cozer pão, dava-se-lhe mais uma coisinha de lenha para [vocalização] para fazer o desconto. E quando a gente amassava de oito em oito dias, já se sabia, mais ou menos, o forno, [pausa] que a temperatura que andava quente [pausa] e o pão [pausa] deixava-se a levedar na, na banh- no alguidar…
INQ1 Mas como é que fazia, o que é que, tinha que misturar outras coisas, portanto, peneirava…
INF1 Não, Nem é o fermento. É o fermento e o sal.
INF2 É para ele entrar. Aquele, filha, cabe?
INQ1 Ai, é para entrar para aqui. Chega…
INQ2 É a sua filha?
INF1 Botava-se o fermento e o sal.
INQ1 E como é que, e como é que fazia, como é que arranjava o fermento?
INF1 A gente tinha o nosso fermentinho sempre de casa. A gente chamava só o crescento deixava-se [vocalização] .
INQ1 Chamava-lhe o crescento ou…
INF1 É o crescento. Tinha Aquilo [vocalização] é deitado numa [vocalização] tacinha e tapado e era à noi- na sexta-feira à noite. A gente deitava uma coisinha de água quente, oh, oh; [pausa] deitava-se uma coisinha de água quente, [pausa] aquilo amolecia mais; de- uma coisinha de farinha que a gente via, mais ou menos, que dava para o pão; deitava-se aquele pedacinho de fermento, no outro dia amanhecia lêvedo. Aquele fermentozinho que a gente tinha feito. Abafava-se bem abafado e no outro dia – com licença – no outro dia estava lêvedo, deitava-se naquele pão, depois fazia-se-lhe a acabava-se de de amassar, fazia-se assim, deitava-se uma coisinha de farinha por cima, uma cruz, as toalhas por cima. [pausa] Quando a gente via que estava bom de tender para cima da mesa, tendia-se, ao [vocalização] passo que o forno ia aquecendo e depois – estava o pão [vocalização] quente – o forno estava quente, deitava-se, fazia-se uma rosquilhinha – faz-se uma rosquilhinha para experimentar mais ou menos o calor do forno. Quando a gente vir que abrasa, deixa-se ficar mais um pedacinho. Mais ali uns cinco minutos, seis minutos que a gente vê que a rosquilhinha que não [vocalização] não tostava de calor, botava-se o pão. Depois…
INQ1 Pois.
INF1 Quando, às vezes Às vezes tirava-se um pão ou dois, experimentava-se, batia-se: "Então, ainda está pesadinho, cozia mais um bocadinho"! E assim é.
INQ1 Batia-se por baixo…
INF1 Batia-se por baixo, fazia-se assim, aquilo ia coiso aquela coisa e sentia-se mesmo [vocalização] o peso de do pão e quando estava cozido, tirava-se e abafava-se; partia-se para o almoço, ou com peixe, ou com carne, [vocalização] o nosso santo pão. Sim. Eu faz [vocalização] no sábado quinze dias, eu amassei. Faz agora sábado quinze dias, eu amassei.
INQ1 E portanto cá nunca se misturava batata-doce no…
INF1 Onde é que está, minha querida?
INQ2 Não há?
INF1 Não havia.
INQ2 Não?
INF1 Há a batata-doce mas está quase a quatrocentos escudos.
INQ1 Não, mas antigamente não se costumava misturar…
INF1 Antigamente quem tinha de casa [vocalização] misturava. Amassava Cozia-se a batata, pela- descascava-se e depois ama- [pausa] amassava-se separado e depois é que se deitava no pão. Limpava-se bem limpinho para não levar…
INQ1 Mas ficava o pão melhor, era, com a batata?
INF1 Ficava. Du- Dura mais dias [vocalização] o pão mais fofo. E aí havia-o a maior parte do tempo era sem batata, minha filha, porque não havia batata.
INQ1 Sim, no continente nunca se pôs batata…
INQ2 Nunca.
INQ1 Nunca se pôs batata no, batata-doce no pão.
INF Ah, não põem?
INQ1 Nunca. Nunca.
INQ2 Não. Não.
INF1 Além no Funchal, aquela mai- aquela parte mais das freguesias, acho que estão assim mais acostumadas a coisa.
INQ2 Sim, sim. Fazem.
INQ1 É, é. Sim, sim. Foi aí que eu aprendi que se punha…
INF1 Mas eu já tenho visto pão das freguesias, ou é ele não [vocalização] não lhe dão o fermento [pausa] que deve de ser, ou eu não sei…
INQ1 Mas, portanto, o fermento é o crescento, é?
INF1 É o crescento para…
INQ1 Mas chama-se crescento?
INF1 É o crescentinho que fica sempre. E [vocalização] quando a gente quer deitar um pedacinho de fermento inglês, [pausa] nunca se deita no crescento, o fermento inglês.
INQ1 Então? À parte…
INF1 É à parte, junto com a farinha. Porque o fermento inglês, indo para o crescento, apodrece mais o pão, mais depressa. Aquele crescentozinho que a gente temos, tem que ser sempre, sempre, sempre do [vocalização] nosso de casa. Não le- Não tem que levar fermento nenhum. Agora a farinha cá, pode-se-lhe deitar fermento inglês, [pausa] porque [pausa] antes de, de, de [vocalização] de amassar o pão, tira-se outra vez o crescentozinho, do fermento que se fez à noite.
INQ1 Para ficar para a outra…
INF1 Para guardar . E é assim.
INQ1 Sim senhor. Então e, e que, que é, de que é que se fazia pão? De que farinha é que se fazia pão?
INF1 Era, fa- [vocalização] Era de trigo, é de trigo ou de cevada. Minha mãe chegou a amassar pão de cevada [pausa] e bolo de cevada…
INQ1 De cevada também. E mais nada?
INF1 E bolo de centeio cá, que aí havia pouco centeio, mas havia gente que mesmo não fazia. Dizem que [vocalização] o centeio [pausa] com o{fp} com a cevada que ficava o pão melhor. Mas meu pai nunca fazia assim grandes porção de centeio que chegasse a debulhar para fazer centeio para mandar moer. Havia gente que fazia. Aqui não é só… Porque isto este aqui à parte ou no campo de aviação, como eu, eles têm lá um sítio, que era o sítio das Areias, que era onde a minha mãe morava. Mas eu casei-me, à conta de Deus, vim para a minha casa – mas isto não estava assim, quando eu me casei, era só [vocalização] dois quartos e uma cozi- e a [vocalização] cozinha. Depois é que o meu marido aumentou mais esta coisinha. E eu daqui [vocalização], [pausa] eu não via a casa da minha mãe. Porque aqui à nossa frente, tinha um alto, [pausa] tinha um moinho de vento e eu não via a casa da minha mãe! Andava para o caminho, saía daqui, andava para o caminho, depois cortava no caminho velho que já se sabe que que era antes do do aeroporto e, então, é que andava de roda e [vocalização] chegava à casa da minha mãe. Era perto, era os seus dez minutos. Mas não se via a casa da minha mãe porque fazia um alto, tinha um moinho de vento e tinha terras de lavoura e tudo. Não
INQ1 E tinha centeio, aqui, também se, também havia centeio?
INF1 Então não da- não dava centeio? Acolá, aquela parte de areia que dava centeio – que eu tinha um tio – que dava centeio, até f- serravam-lhe a [vocalização] a espiga e do resto, faziam esteiras e faziam barracas, na rua, [pausa] minha senhora. Mas agora acabou tudo. Mesmo acabou as pessoas que faziam isso [pausa] e as nossas chuvas não têm ajudado.
INQ2 Pois é.
INF1 As nossas chuvas não têm ajudado. E agora tudo se importou e tudo quer ser empregado, tudo quer ser empregado e ninguém quer trabalhar. [pausa] Ninguém quer trabalhar.
INQ1 Pois.
INQ2 Ninguém quer trabalhar.