INF1 E os sapateiros? Os sapateiros…
INF1 E os sapateiros que vinham que vinham fazer calçado. Em primeiro, era: ele parece-me que tinha havia sapateiros que vinham fazer cá o calçado da ge- à gente, [pausa] a casa. E a gente também, com aquela luz, tinha ela ali acesa quando é de Inverno e ele aqueciam-se ali. E até servia para muita coisa.
INQ1 Portanto, os sapateiros andavam de terra em terra a fazer a?…
INF1 Pois, a gente, na naquela altura, a gente chamava-os… Porque ele havia [vocalização] uns que sabiam bem fazer calçado…
INQ1 Como é que os chamavam? Não havia telefone.
INF1 Não. Os, os A gente, [vocalização] aqui nestas terras em volta ele eram conhecidos …
INF2 Era .
INF1 É. Eles vinham a pé. E até aqui de Janeiro de Cima, ali de daquela terra ali que fica ali [vocalização], logo próxima aqui à nossa, [vocalização] mas só que aquilo é uma freguesia do concelho do Fundão.
INQ1 Como é que se chama?
INF1 Janeiro de Cima.
INQ1 Janeiro de Cima.
INF1 É, fica aqui [vocalização]… Já é do concelho do Fundão. Fica ali logo perto donde donde esgota a água aqui da barragem.
INF2 Naquele tempo, a minha mãe a minha mãe chegou a ir a à Covilhã a pé [pausa] e descalça.
INF1 E descalça, sem levar calçado nenhum!
INF2 Ainda fez u- Ainda fez uma viagem à Covilhã descalça, daqui à Covilhã sem sem… Descalcinha!
INF1 E o caminho ruim! Não era agora como é que está [vocalização] as estradas alcatroadas que está.
INQ1 E que idade é que tinha quando foi isso?
INF1 [vocalização] Eu comecei lá a ir…
INQ1 Era pequenina?
INF1 Ainda era pequenita, ainda. Ia a minha mãe, ia lá… Iam lá muitas mulheres. Não havia onde ganhar dinheiro.
INQ2 Rhum-rhum.
INF2 Vender os ovos.
INF1 A gente [vocalização] tinha muitas galinhas e [vocalização] frangos – criava frangos –, ajuntava-os e e depois vendia-os, levava-as – carregos de de ovos, e de de frangos assim de cima dos ovos… Ajuntavam-se assim até destas terras em volta, quando era aí por aí cima, por essas terras por aí cima, já era [vocalização] uma ranchoada que eu sei lá. Vinham de uma terra, ajuntavam-se [vocalização] lá no ca- no caminho por aí cima e…
INQ1 E iam todas juntas?
INF1 E íamos juntas. Era Era: iam ao sábado; [vocalização] a praça é [vocalização] ao domingo é que lá se vendia; e vendíamos e vínhamos à segunda-feira.
INQ1 Três dias!
INF1 Três dias! Então é muito longe! Daqui para a Covilhã é muito longe!
INQ1 Pois é! Então não é?!
INF1 É…
INQ2 E onde é que levavam os ovos e, e os frangos?
INF1 Levávamos numa cesta grande, numa cesta grande à cabeça.
INF2 A Covilhã é m- é mesmo antes de chegar à Serra de Estrela.
INQ1 Pois, eu sei!
INQ2 E os ovos, e os ovos eram muitos?
INF1 É logo, é logo quase É logo…
INQ2 Por trás do…
INF1 Fica Fica a Serra de Estrela aqui assim, chega aqui assim a Serra de Estrela e nós andávamos de volta daqui, por de volta da da serra – a vida é assim –, e a estrada seguia então para a Covilhã. Estava ali uma terra que era o Tortosendo – que lá está – e [vocalização] era onde a onde a gente ia dormir o dia que ia; e do outro dia, alevantava-se ainda de noite, e ainda eram – diziam – léguas. [vocalização] Diziam que era que era uma légua de, de, da Co- do Tortosendo para a Covilhã; diziam, na altura, diziam que e- que eram oito léguas daqui para para a Covilhã.
INQ2 Exacto.
INF1 E a gente ia a pé, [vocalização] a pé e [vocalização] com um carregão para cima e outro para baixo. Naquele tempo, era um tempo terrível, não havia nada onde se ganhasse…
INQ1 Pois, mas as senhoras levavam para lá os ovos
INF1 Levávamos ovos.
INQ1 e os frangos.
INF1 Pois. Era para…
INQ1 E depois para cá, o que é que traziam?
INF1 Então comprava a gente muitas coisas lá, que era tudo mais em conta lá que era por cá, e mesmo víamos aqui as terras em volta que não tinham… Não havia que vender como há agora.
INQ1 Pois.
INF1 Não tinham nada que vender. A gente trazia mercearias, trazia trazia [vocalização] muitas coisas até…
INF2 Até louça para vender depois cá.
INF1 Até louça e até até se cá vendia. E [vocalização] E havia pessoas assim que nos vendiam os ovos, [vocalização] também nos encomendavam coisas para a gente lhe trazer, e a gente trazia. Um carrego
INQ1 Olhe, e como é que chamavam às pessoas que, quando… Lá na Covilhã como é que chamavam a essas pessoas que lá iam vender ovos e frangos? Chamavam-lhe o quê?
INF1 "Ah, fulano"! Não chamavam pelo nome da gente, então?!
INQ1 Não, não tinham nome nenhum? Não chamavam as oveiras, ou?…
INF1 Não. Elas Elas vinham…
INF2 Não eram certas, não eram certas.
INF1 Não eram certas. Vinham… Vinham, compravam; e a gente tinha-as ali na praça, estava ali na praça assim em fileira, todas [vocalização] – eu e muitas –, [vocalização] daí dum lado e do outro, e dessas terras em volta; já tínhamos ali e [vocalização] vendíamos, elas vinham comprar, a gente… Pagavam…
INQ1 Pois.
INF1 Pagavam e iam-se embora e a gente, e a gente, em s- em vendendo tudo, ia fazer as compras que era para trazer, e, e e vínhamos [vocalização] dormir ao caminho, adonde podíamos.
INQ1 E dormiam aonde?
INF1 Dormíamos nessas estradas aí por aí baixo onde onde se fizesse noite.
INQ1 Mas, mas pediam às pessoas para deixar dormir num palheiro, ou assim, ou?…
INF1 Ah, pois! [vocalização] A gente tinha pessoas, lá pedíamos para mor de nos deixarem lá dormir e, e [vocalização] e pagávamos-lhe.
INF2 Nas lo-.
INQ1 Ai tinham que pagar?
INF1 [vocalização] Pa- Pagávamos. [vocalização] Quando íamos para cima, íamos lá a dormir a uma no Tortosendo, lá na terra, e dávamos-lhe um [vocalização] um tanto cada uma [vocalização], para nos lá deixar dormir em casa. [vocalização] Dormíamos bem. A minha mãe, elas até, elas até [vocalização] tinham ali [vocalização] Havia ali muitos muitas fábricas de, de, de a tecer [vocalização] panos de lã, xais e e assim muitos panos de lã, e tinham e havia pessoas que estavam que estavam lá a trabalhar na fábrica e traziam [vocalização] xais para mor de [vocalização] cá coser os [nome] em casa, para elas os arranjarem em casa.
INQ1 Pois.
INF1 E depois elas com aqueles xais, ele fazíamos ali fazíamos ali a cama. Mas [vocalização] a minha mãe [vocalização] costumavam sempre a convidá-la a levar-lhe alguma coisa assim de coisas de comer, assim de casa, ou um bocadinho de carne – a gente matava, ou ou tínhamos gado, levávamos-lhe um queijo ou dois –, e levávamos e elas faziam-nos uma cama boa, assim numa cama de de rede e assim numa cama destas de de madeira – e ou ou outras assim de rede, conforme [vocalização] tinham.
INQ1 Pois, pois.
INF1 [vocalização] As outras mulheres era ali deitadas n-, n- nos xais, ali na, na naquelas camas que lhe faziam ali no chão;
INQ1 Pois.
INF1 e [vocalização] nós, [vocalização] eu e a minha mãe [vocalização] – também ainda lá foi uma irmã minha, que era mais velha que a mim, também, às vezes, era ela que lá ia, e [vocalização] nós dormíamos a que lá ia connosco –, nós dormíamos na cama, naquela cama boa, mas a minha mãe lá levava-lhe uma lembrança e ela não nos mandava lá para, para, lá para para o chão.
INQ1 Pois. Pois.
INF1 Não dormíamos no chão. A gente passou-as! E depois n- quando vínhamos para baixo, era donde nos começasse de noite é que dormíamos. Havia muitas terras por aí baixo! Havia muitas terras [vocalização]…
INQ1 E não tinham medo?
INF1 Íamos muitas. [vocalização]
INQ1 Eram muitas, defendiam-se bem.
INF1 A gente de noite não andava. A gente de noite não andava.
INQ1 Claro!
INF1 Em , Ad- Adonde nos ficasse de noite é que a gente po- pedia dormida. Às vezes, havia pessoas conhecidas nessas terras assim que nos davam dormida.
INQ1 Rhum-rhum.