INF Eu estive no Hospital Militar. Fui para lá cumprir a vida de – sim – militar . E depois lá fui primeiro-cabo e enfermeiro, ajudante de enfermeiro. Ora a gente [vocalização] entrou, fez a recruta e depois andámos a [vocalização] a praticar, com os médicos a ensinar-nos. É claro que a ler tudo aquilo que correspondia à medicina – não é? – e essa coisa do corpo humano, tudo. E depois andámos a praticar, donde depois fomos distribuídos para as enfermarias. [pausa] E, é claro, cada um trabalhava [pausa] dias do mês conforme cada enfermaria. Íamos aprendendo aqui nesta a fazer um trabalho, por exemplo, a [vocalização] com respeito a medicina. Era medicina por uma coisa, que é é mais simples do que é a cirurgia. [pausa] E nós aprendíamos a medicina. Era dar umas injecções, uns comprimidos, no tempo antigo. É claro, já tenho cinquenta e seis anos e, no tempo antigo, a gente [vocalização] usavam-se mais aquelas cataplasmas de linhaça. E [pausa] a gente fazia-as [vocalização] com as compressas de casa. Deitava a linhaça… Primeiro fervia a linhaça num [vocalização] com água junta numa cápsula qualquer ; e depois a gente envolvia-a numa compressa de gaze [pausa] e e deitava-a sobre o corpo do doente onde tinha a dor. Ora viu. Depois então já veio mais… Daí por mais uma temporada, já veio a penicilina, donde se davam aquelas injecções de penicilina aos doentes. Já não se aplicavam então as cataplasmas de linhaça. E [vocalização] E foi assim. E depois, é claro, eu acabei o tempo da tropa [pausa] e vim para aqui, não é? Vim para aqui, é claro, tenho desde esse tempo, tenho estado sempre ao serviço do povo. Vai um, claro, que [vocalização]: "Dá-me uma injecção"; outro dá aí um golpe, vou-lhe curar o golpe; outro tem uma ferida, curo-lhe a ferida. É claro. E [vocalização] [vocalização] E como todos têm uma dor, a gente vai-lhe aplicando aquilo que sabe para aquela dor, não é? Uns comprimidos, uns supositórios, umas fricções, umas pomadas e e essa coisa assim toda. E é por isso que a gente lhe disse que eu que era aqui o médico da terra, não é?
INQ1 Mas o senhor nunca foi daqui para fora? Portanto, nunca saiu…
INF Não. Nunca saí daqui para fora.
INQ2 Só na tropa.
INF Estive
INQ1 Pois, sim, sim, sim.
INF Estive na tropa então lá em Coimbra.
INQ1 Não, assim por exemplo, como emigrante ou isso, não, foi sempre…
INF Não, como emigrante nunca saí. Estive na tropa e depois da tropa vim, regressei para aqui e não saí para mais parte nenhuma.
INQ2 Mas é de cá mesmo?
INF Sou daqui de Vilar de Perdizes. Sou sim. E [vocalização] E foi assim. É claro, foi a gente como ele aplicou aquela frase de eu ser aqui o curativo e o enfermeiro cá da terra. É assim. A gente tem feito muitas coisas, diversas coisas que é. Houve médicos, como aqui estes senhores, vê aqui, que eles andam a praticar, andam a estagiar, não é? Eles andam a estagiar aqui. E eu fiz aí coisas que eles nem sabiam como [vocalização] eu tinha aprendido aquilo e como era feito aquilo. Que lhe disse-lhe que, é claro, que andara aí um homenzito, [pausa] andei aí treze dias e treze noites a tirar-lhe a uri- a urina pela barriga. Que ele não podia, tinha uma próstata no no canal da urina, e eu andei treze dias e treze noites a tirar-lhe a urina pela barriga. [pausa] E eles diziam: "Eh pá, como"?! Que eles não co- desconheciam isso. Eu disse: "Eh pá, isso não é fácil mas [pausa] é assim desta maneira. Faz-se isto. Segue-se disto e daquilo e daqueloutro, depois tem esterilização, tem isto e aquilo". E eu fui lá tirá-la da bexiga, tirei para fora, ao homenzito, treze dias e treze noites. E assim durou para aí cinco ou seis anos. [pausa] Um homem que [vocalização] morreu com noventa e sete anos.
INQ1 Pois.
INF E E tem sido assim essa vida da medicina. Injecções àquele e àqueloutro .
INQ1 Pois.
INF Isto, o senhor padre aplicou…
INQ1 Não, eu como dizia, eu julgava que, sei lá, que soubesse assim de plantas, que plantas é que eram boas…
INF Ai, de plantas, olhe, nós, plantas, aqui, a gente as plantas aqui vai é sempre mais à base já do medicamento, não é? Sim, há pessoas mais antigas [pausa]
INQ1 Pois, que sabem.
INF que essas vão mais à base do [vocalização] dum chá da cidreira, ou um [vocalização] chá de de hipericão de hipericão, um chá de, de, por exemplo, da flor do sabugueiro, de, de daquela flor do milho, [vocalização] e essa coisa assim, sabe? Há pessoas assim. Mas há aí um homenzito [pausa] que esse homenzito é que conhece. Já deve ter os seus setenta e qualquer coisa de anos. Esse homenzito conhece essas ervas [pausa] e essas plantas
INQ1 Rhum-rhum.
INF e, mais ou menos, [pausa] para aquilo que são – embora vão fazer bem a uma coisa… Bem, como os medicamentos também, às vezes, uns vão fazer bem e outros vão fazer mal.
INQ1 Claro.
INQ2 Mas é cá em Vilar de Perdizes?
INF Ele é um homenzito aqui de Vilar de Perdizes mesmo.
INQ2 Como é que se chama?
INF É Guiberto. É o senhor que vive ali naquela casa.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Esse homem conhece muita, muita, muita planta. Porque [vocalização] dedicou-se desde a essa vida. Mas que digamos esse homem tem lá curado coiso! Vai um indivíduo, diz-lhe: olhe, é isto, é aquilo, é aqueloutro. Vai-lhe indicando os remédios, o que são as plantas e para que servem e para que não servem. Sobre isso [pausa] é isso.
INQ2 Deve ter perto de oitenta anos, é?
INF O homenzito deve ter setenta e [vocalização] cinco anos, setenta e seis anos, ou assim.