INF1 Já acartei tanta! Tanta eu já acartei! Andava na fábrica e tanto eu trabalhei para criar cinco filhos! Ah!
INQ1 Pois.
INF1 Nem quero que me lembre! E com más passagens e tudo! Olhe aqui um grande calo! Tanto molho acartei!
INQ1 Estou a ver, estou.
INF1 Que nunca se vai embora. Ai! Eu quando ia para a fábrica, já ia maçado que eu sei lá!
INQ1 Claro.
INF2 O meu pai sabe fazer de tudo! Tudo!
INF1 Ai, eu sei fazer de tudo. Tudo!
INQ2 Sim senhor.
INF2 Ele é que limpa a casa, ele é que faz tudo!
INF1 Mesmo agora Mesmo agora, [pausa] as posses não são lá assim muitas e eu [vocalização] já me mete medo as coisas, não é?
INF2 E percebe de tudo!
INF1 Que a idade também já…
INQ1 Claro.
INF1 Mas sou muito jeitoso para tudo! Tudo!
INF2 O meu pai faz de tudo! [pausa] Percebe de tudo na na agricultura. Percebe de tudo!
INF1 Mas tan- Mas tanto trabalhinho eu levei! [pausa] Fui tropa em 35. [pausa] Fui tropa em 1935. [pausa] Sabe quanto é que levei para a tropa? Setenta paus. Setenta escudos. [pausa] E sabe onde é que os ganhei? [pausa] A faltar alguns dois meses ,[pausa] quando saía da fábrica à uma hora da noite, todas as noites dois molhos de mato para vender. [pausa] Era duro!
INQ1 Pois, claro.
INQ2 Pois, assim…
INF1 Saía da fábrica à uma hora da noite [vocalização], quando havia boa lua…
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Todas as noites dois molhinhos de mato para vender. Ia rou- roubar para aí. Ele havia para aí tanto!
INF3 Onde é que o havia!
INF1 Foi quanto quanto levei para a tropa.
INF3 Também era preciso muito molho para dar aquele bocado.
INF1 E depois tirei número alto. [pausa] Tirei número alto, [pausa] vim-me embora aos três meses. Lá davam… Lá comia-se bem, mas o que eu não gramava era a sopa da couve. Eu estive em Vendas Novas.
INQ2 Rhum.
INF1 Nunca ouviu falar em Vendas Novas?
INQ2 Sei, sei, sei onde é que é.
INF1 É Alentejo. Eu fui para lá assim muito mimoso, com a aguinha, cheguei lá, água dos poços, aquilo foi duro! E comia-se lá então muita couve, muito grão, mas à quinta-feira já davam um copinho de vinho. [vocalização] Muito grão e assim, mas aparecia lá aquela cou- aquela couve grande, com um troço assim, e eu nunca gostei do troço. Nu-! Nem hoje! Nós aqui fazemos a sopinha é só a pontinha da couve.
INQ1 Pois.
INF1 É como digo: levei trinta e cinco paus, gastei lá em [pausa] em carcaças, ou um bocadinho de pão e queijo, ou um bocadinho de legume, e tal.
INF2 Setenta escudos! [pausa] Ele levou metade do dinheiro, deixou cá a outra metade!
INF1 Porque eu engraçava com a pouco com aquela sopa, gastei lá trinta e cinco escudos. Ainda trouxe outros trinta e cinco. [vocalização] Um dia estava lá a uma sombra, [pausa] aparece-me ali um alentejano: "Eh pá! Queres comprar esta este estojo"? "Então o que é isso"? [pausa] Uma caixinha que ainda ali tenho. Aquilo até era alemão, germânico.
INQ2 Rhum-rhum.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Que é uma caixinha assim quadrada, forrada de veludo – de veludo – e com [pausa] com uma gilete lá dentro [pausa] – dentro da caixinha.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Aquilo é de desaparafusar… Digo-lhe eu: "Quanto é que queres por isso"? "Dás-me cinco paus". Peguei nos cinco paus: "Toma lá"! Arranjei uma caixinha… Hav- Havia ali um monte de biciclete de aluguer, o gajo aluga uma biciclete uma hora, ficou sem dinheiro. Eu a gilete ainda a aí tenho. Como é que a vida pode ser igual?
INQ1 Pois.
INF1 Não pode. Que uns estragam e outros não! [pausa] Ainda a aí tenho, que [vocalização] já dá para a minha vida.
INQ2 Pois.
INF1 Pois já desde 35.