INQ Como é que se fazia o carvão?
INF1 O princípio do carvão?
INQ Sim.
INF1 O princípio do carvão. A gente levantava-se aqui cedo, ou a gente sozinho, ou acompanhado com pessoas que andavam no mesmo, e íamos à vida. Uma merendinha de qualquer maneira, do que aparecia em casa, e tal, tal, tal, lá íamos para o carvão. A gente lá ia para a serra, quando chegava lá em cima, [pausa] dava volta onde havia lenha para queimar. [pausa] Há a torga que tem cepa – que tem cepa grande – e há abetouro que tem tem assim muita rama também, também tem cepa – uma cepa assim escondida por baixo. Mas a torga é melhor. A torga é melhor para o carvão. A gente [vocalização] vendo assim ali uma quantidade [pausa] de mato, que a gente entendia que tinha torga para cortar, para arrancar, a gente começava ali a arrancar nelas e botava para o monte. [pausa] Aventava para o monte, [pausa] quando fosse aí [vocalização] pelas onze horas, [pausa] a gente fazia uma poçazinha no chão. A gente perguntava sempre… Se houvesse um bocadinho de inclinação no terreno, abríamos uma poça [vocalização] mais ou menos como é esta mesa, não contando com os bicos, em redondo, aí com [vocalização] com vinte centímetros de fundo, assim uma poçazinha, muito asadinha, e tal. A terra que a gente tirava da poça punha-a aqui à frente. Punha-a aqui à frente. A gente, depois, chegava-se a hora de queimar a lenha, ia buscar uma uma lenha mais miúda, uns gravetos disto, um graveto daquilo, umas joinas secas, e tal. E punha as joinas no fundo, chegava-lhe o lume, com os gravetinhos a seguir das joinas, e tal, e depois lenha assim mais miudinha, e tal, um braçado de lenha, e tal, tal, tal, até que aquilo começasse a pegar. Em estando já assim com força, já a pegar bem, já a receber tudo, já com brasa e assim, começava a gente a pôr da lenha mais grossa, mas le- lenha mais grossa com raízes, com raízes da da lenha que a gente arrancava.
INQ Rhum-rhum.
INF1 A gente virava a raiz para o lado do lume, aquela mais miúda, para ir pegando, e tal, e depois quando começava já a tomar força, já estava já assim já com força suficiente, lenha mais grossa, já ia tudo. Ia da lenha toda mais grossa. Tudo, a lenha mais grossa que havia era lançada à poça – toda. [pausa] Ia-a sempre gente deitando e depois quando havia quando lá havia muita lenha para arder, a gente ia arrancar mais um bocadinho de lenha. Ia aquela ardendo, e a gente aproveitava, ia arranjar mais uma mancheia [pausa] para fazer mais muito, mais muito carvão. Depois chegava-se a altura de a gente… Chegava-se a hora de a gente [vocalização] de a lenha arder toda. Então aquilo tinha um termo para a gente vir a tempo e horas para casa. [pausa] E depois de de gastar a lenha toda, punha tudo encaramouçadinho, fazia assim um um caramouçozinho, enchia aquela poça toda de lenha. E depois a gente ia assim fazendo um caramouço, ia a gente empurrando o lume, assim para trás, para a traseira da poça. A gente até sempre punha a lenha mais alta assim ali daquele lado, e a gente ia pegando… Quando gastava a lenha toda que já lá estava, depois aquilo já tinha muita força, já não havia nada que lhe resistisse. Já se não apagava.
INQ Pois.
INF1 Nem mesmo que chovesse, já se não apagava. Porque era um lume muito forte. E depois a gente, quando já a lenha estava toda na poça a arder, a gente cá na frente, [pausa] com um pau com uma forquilha, íamos puxando para o cimo. Havia aqui um pau mal ardido, ia para o cimo; aqui outro, ia para o cimo; ali outro, ia para o cimo. E depois começava aqui a aparecer a brasa,
INQ Rhum-rhum.
INF1 a brasa já grossa.
INQ Pois.
INF1 Havia A gente ia chegando, ia chegando, chegando daqui, chegando dalém, tudo para o para o cimo, para o coruto [pausa] do monte da lenha, com muita força a arder. E depois aqui na frente, começava já a aparecer muita brasa, já para o carvão. Algum bocadinho de lenha que ali havia, que estava a entreter, a moer esse outro carvão, a gente tirava-o. [pausa] O que estava mal ardido arrepelava para cima. E aqui depois ficava a brasa, aquele brasial muito forte, já feito em carvão. A terra que a gente tirava da poça, a gente tinha-a aqui à frente. E depois a gente ajoelhava-se à ponta da, da da poça que estava a arder, do monte da lenha, e com as mãos escolhia aquela terra bem escolhidinha. Alguma pedra que havia [pausa] aventava para o lado. Ficava só a terra ele [pausa] sem pedras.
INQ Pois.
INF1 Conforme aparecia aqui o brasial, conforme o brasial ia aparecendo, a gente nesta terra escolhida ia deitando para de cima da brasa, [pausa] para de cima da brasa e acalcava.
INQ Que era para apagar?
INF1 Para apagar. Conforme ia ardendo, a gente ia puxando para cima, ia puxando para cima, ia puxando, ia puxando, até que chegava ao final. Mas a terra aqui à frente, a gente sempre a escolher. Aquilo também era muito sacrifício! A gente com a terra a tapar, tapar daqui… Se ali havia muita pedra que não dava, a gente ia ao a um buraco [vocalização] cavar um bocado de terra para tapar, que se aquela ali não dava.
INQ Pois.
INF1 A gente ia tapando dum lado, do outro, ia tapando, ia tapando e acalcava bem acalcadinho, [vocalização] até que chegava ao cimo. Ao cimo ficava um caramouço, [pausa] por exemplo, a arder. Já aquela poça que a gente fez já cheia de carvão, [pausa] mas a gente, tapar e acalcar para para abafar para para se não gastar o carvão, a brasa. [pausa] Ficava o Chegava ao cimo, ficava um bocadinho. Se havia ali um bocado de lenha [pausa] mal ardida, para não estar a entreter a outra brasa, a dar prejuízo a queimar…
INQ Pois.
INF1 Se houvesse, por exemplo, um bocado de lenha mal ardida, a gente pegava na forcalha e aventava-a. Porque estava ali a entreter, [pausa] a entreter aquilo.
INQ Pois.
INF1 A gente pegava numa forcalha e botava-a fora, aventava-a. Pegava mais num bocado de terra, aventava ali para de cima, tapava tudo, bem acalcadinho, bem acalcadinho, [pausa] ficava tapada. Se por acaso se abrisse algum buraco, a gente andava alerta e ia ver. Porque se abrisse algum buraco estava a acender.
INF2 Estava a atear.
INQ Rhum-rhum. Pois.
INF1 Tapávamos tudo, tudo bem acalcadinho, a gente sempre alerta, [pausa] não se abrisse algum buraco. Lá ficava tudo tapadinho e depois íamos então [pausa] à frente da poça, [pausa] então a fazer um terreirozinho, uma rampazinha, a varrer aquilo, com um sacho, ajeitar, aí umas aí o espaço talvez aí de metro e meio ou dois metros, [pausa] assim à frente da poça.
INF2 Aí dois metros.
INF1 Aquilo bem ajeitadinho com um sacho, como que era a fazer um jardim, aquilo bem rapadinho, e depois pegávamos numa vassoura, varríamos aquele terreirozinho, que era assim um bocadinho encostado. Varríamos aquele terreiro bem varridinho, e tal [vocalização], que a gente depois conforme: se se atrasasse via o via o tempo a chegar-se para a gente – tinha aí uma hora de caminho – e trazer o carvão às costas e assim…
INQ Mas o c-… Mas podiam trazer o carvão logo a seguir?
INF1 Ah, vinha. Ah, nunca lá ficava.
INQ Mas não, não ficava muito quente? Não estava muito quente ainda?
INF1 Não. Depois enquanto estava a poça bem abafadinha, a gente fazia o terreiro e depois andava ali muito tempo a amorrinhar. Varrer o terreiro, e depois varrer daqui, varrer dalém. A gente levava connosco um sacho, um sachozinho, um sacho qualquer, até mesmo velho, e depois chegava-se a altura de tirar o carvão. Começava então a uma ponta da da poça, [vocalização] começava a uma ponta a tirar, assim aqui para a para a berma, para a berma da poça.
INQ Rhum-rhum.
INF1 O carvão vinha assim para aqui, a gente, no geral, escolhia sempre um bocadinho elevado, [pausa] assim por aqui um bocadinho inclinado, que era para o carvão arrebolar. Mas já vinha apagado. A gente tirava com os sachos e deitava-o para aqui. E tinha aqui uma vassoura já preparada para o ir assim abanando, assim a empurrá-lo para baixo,
INQ Rhum-rhum.
INF1 assim com jeitinho a empurrar para baixo para o gajo ir para o fundo. Às vezes dava-se o caso, acendia-se ali uma fogueira, o gajo a arder, a gente com a vassoura escangalhava-o assim. E, às vezes, se havia água perto, a gente pegava numa latinha que a gente levava e ia buscar uma latinha de água e molhava lá a vassoura e apagava. Se não havia, tinha não o deixava acender. Ia-o abanando para os lados e para o outro e lá se tirava todo da poça. Depois de o tirar todo da poça, a gente andava ali a amorrinhar mais um bocadinho, e tal, tal, tal, pegava nos sacos, pegava ao fundo daquela barreira que a gente fez, abria a boca ao saco e começava a ajeitar para dentro.