VPA15

Vila Praia de Âncora, excerto 15

LocalidadeVila Praia de Âncora (Caminha, Viana do Castelo)
AssuntoA sociedadeA família e as relações de parentesco
Informante(s) Aguinaldo

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INF Porque eu até tenho visto [pausa] estudantes [pausa] ser mais malcriados do que os pescadores.

INQ1 Ah, sim. Pois claro. Claro.

INQ2 Mas ele não disse aquilo por ser malcriado. Estava, pronto, é uma coisa que acontece.

INF Eu sei. Aquilo A gente E eu também Aquele senhor [pausa] não, porque aquele senhor [pausa] é da religião da verdade, sabe?Aquele senhor

INQ2 Como é que ele se chama? É esse senhor que estava a falar connosco?

INF É o Agrícola.

INQ2 Agrícola.

INF Não diz nenhuma asneira sequer. Nem uma. É a coisa mais linda que . Não uma asneira ali. Adonde, na outra religião, diz-se muitas asneiras. Eu sei que aquilo que [vocalização] não é por mal, sabe? Mas quem ouve Vem uma pessoa estranha, não é, não conhece e diz: "Ah, são são malcriados, os pescadores" .

INQ1 Não

INQ2 Não, por amor de Deus

INF Mas vocês não tomem em conta, porque isto [pausa]

INQ2 Não, não tomamos

INF é como lhe digo. O pescador Pescador nunca entrou numa escola, é uma vida estúpida. Olhe, aqueles começaram cedo, mas eu comecei mais cedo.

INQ1 Claro.

INF Eu comecei com sete anos. E hoje, como lhe disse ali, sou analfabeto, porque os meus pais [pausa] ambos a dois estão no mundo da verdade se fizessem [pausa] o que eu merecia, eu não era analfabeto, sabe. Mas naquele tempo havia muita necessidade!

INQ1 Claro

INQ2 Claro

INF E eu fazia-lhe falta ao meu pai.

INQ1 O seu pai era pescador também?

INF Era, era. Para lhe ir ajudar, porque naquele tempo vivia-se mal. Eu, quando me casei, se vivia melhor alguma coisita não era muito, mas [pausa] se vivia melhor. Mas disse: "Tenho duas filhas e dois filhos, se me chegar a notícia a casa porque depois sei [pausa] aquilo que me fazia falta se me chegar a notícia que os meus filhos que gazearam a escola" Se eles não aprenderem, está certo. Não somos todos iguais, as cabeças não são todas iguais e . Mas se eles me gazearem a escola, eu, o remédio que lhe dou é queimar-lhe as mãos. Mas queimo-lhas mesmo! E depois vou para o médico com eles, que é para se eles lembrarem: "Olha, isto foi de meu pai, foi por eu não apr- não querer ir para a escola". Por acaso não tive essa sorte. Todos eles [pausa] deram bem, graças a Deus, deram bem. Mas eu hoje sinto-me [pausa] envergonhado até, de não saber ler, sabe? É que eu [pausa] tenho boa ideia, fui sempre mestre dos barcos, tirei a carta de marinheiro, tirei a carta de mestre, tirei tudo isso e sou analfabeto!


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