INQ Os meus amigos também queriam saber onde é que o senhor aprendeu a ler e a escrever?
INF Ora, aprendi em [vocalização] aqui em [vocalização] em São Pedro do Corval, mas nunca passei da segunda classe. Porque havia ali um professor já muito velhinho. Ora, foi professor do meu pai e dum meu tio que tinha mais sete anos que o meu pai. E no meu tempo ainda era professor, mas era já muito velhinho! E ele gostava muito de mim! Gostava muito de mim. Era muito mau mas gostava muito de mim. Nunca me batia. Nunca me batia! Ele Eu fui para lá com sete anos. Mas a minha mãe sabia ler e começou-me a ensinar as primeiras letras. E eu comecei a aprender porque eu tinha esse sentido para aprender. Quando quando ch-, quando fui entrei para a escola, já sabia metade da do livro da primeira. E depois quando foi ao fim de quinze dias ou três semanas de andar à escola, já sabia o resto do livro da primeira. E ele O [vocalização] livro da primeira, naquela escola, estava escrito nas paredes. Nas paredes é que estava escrito, tudo à roda da casa. E ele com uma cana acenava e eu ia sempre dizendo, sempre dizendo, sempre dizendo. E um dia disse-me assim… Andávamos muitos na mesma, sim [vocalização], na mesma lição. Mas ele os outros não sabiam e eu é que dizia. E depois como eu dizia, diziam eles. E o professor fez-me assim: mandou sentar os outros – nós estávamos de pé –, mandou-os sentar e disse-me assim: "Tu ficas aí". Eu fiquei. O homem começou a acenar com a cana e eu lendo. Ele acenando e eu lendo; ele acenando e eu lendo; e eu lendo; e eu lendo. E depois, [vocalização] assim que viu que era já maçada de mais – li para ali uma porção de de [vocalização] lições! –, assim que viu que era maçada de mais, e [vocalização] e ficou assim a olhar para mim, encostou-se à cana e fez-me assim: "Quem é que te ensina"? "É a minha mãe". "Então qual é que sabe mais: sou eu ou a tua mãe"? E eu – ora, eu tinha sete anos – fiz-lhe assim: "É a minha mãe". O homem voltou as costas e foi-se embora. E eu fiquei assim assente a, assim a olhar para ele. E ele foi-se sentar lá ao pé da secretária dele e depois de estar sentado, fez-me assim: "Senta-te". E depois quando a m- um dia que a minha mãe lá foi e esteve-lhe contando a história. E ela fez assim: "Ah Senhor Professor, desculpe. Desculpe porque isto são crianças". "Não! Então ele disse uma verdade! Ele não sabe se eu se sei muito nem se sei pouco. Eu ainda o não ensinei! E então ele não sabe se eu sei muito nem se sei pouco"! Risos Com que [vocalização] Passou-se então assim e depois tu- continuei a ir à escola, sempre aprendendo bem, sempre aprendendo bem, sempre, sempre, sempre. [vocalização] Depois ele deu-se em fazer velhinho. Já Dava um mês escola, dava dois , e estava dois e três meses sem lá ir. E eu, o meu pai era pobre, arranjou uns borregos e eu comecei a guardar aqueles borregos. E depois concertei-me [pausa] para um monte. Ainda hoje me lembra quanto eu fui ganhar.
INQ Quanto era?
INF Fui ganhar nove tostões por mês. Num mês ganhava nove tostões. Era então a de comer!
INQ Isso era há quantos anos? Há…
INF Ora, tinha eu…
INQ Há sessenta anos? Sessenta?
INF Sessenta? [pausa] Sessenta, sessenta e um, uma coisa assim. Eu tenho setenta e três. Faço Faço setenta e três anos no dia 14 deste mês de Maio. Não Não entrou hoje? Daqui a De hoje a treze dias faço setenta e três anos. E eu [pausa] fiz lá, nesse concerto, fiz lá o quê? Fiz lá os treze anos. Pois. Fiz lá os treze anos. E depois abalei de lá fui fui para uma horta, para uma quinta. Pronto e assim assim fui passando o tempo até [vocalização] fazer-me já moço. Depois quando comecei a trabalhar como os homens, comecei a ganhar dez tostões por dia – naquele tempo era assim, os dez tostões por dia – e de comer. Pois. Bem, como que é assim. A minha vida tem sido assim. Tem sido um romance! Mas sempre triste, sempre a penar! [pausa] Depois dei a ser doente. Nunca casei. A minha mãe Estive muito ano com a minha mãe. Enquanto tive aqui a minha mãe, coitadinha, sempre demos-se muito bem, pois, que era a minha mãe. Morreu a minha mãe, fiquei sozinho. E E sempre doente, sempre doente, sempre doente, e sempre doente. E terei que ir assim até ao resto. Quando Quando chegar ao fim, começarei outra vida, não é verdade? Em chegando ao fim desta vida, começo outra! Vou para a eternidade. Pois. Como que é assim.