INQ Na altura da, da guerra de 40, havia, houve muita falta de coisas aqui ou não?
INF1 Muita! [pausa] Muita! [pausa] A gente agora acha a luz de petróleo fraca e nesse tempo nem sequer petróleo havia.
INF2 Azeite de albafar que a gente usava muito.
INF1 Não havia, n- Não havia petróleo.
INF2 Não havia petróleo.
INQ Mas não vinham dar muitas coisas aí à costa?
INF1 Dava alguma. Davam algumas. [pausa]
INF2 Muitos fardos, fardos de borracha.
INF1 O teu tio Fernando, o Fernão…
INF2 Havia barriles de petróleo e de gasolina… Petróleo foi pouco, mais foi muitos bidons de gasolina.
INQ Eles iam correr o calhau, era? Para ver se apanhavam?
INF1 Iam!
INF2 Manteiga! Também se via muita manteiga aí pelo calhau.
INQ Mas via-se passar aí muitos barcos de guerra, era?
INF1 Não, não.
INF2 Não. No tempo da guerra não havia…
INF1 Não havia.
INF2 Não se via passar nada. Não sei se eles passavam de noite se como era! A gente
INF1 Não, não se via.
INF2 Não, o mar estava limpo. Ele não passavam por aqui. Uma vez eles estava um diabo dum submarino para ali. Trazia uma lancha, parecia que era um [pausa] que era um achado! E afinal era um submarino.
INQ Pois.
INF2 Estava parado acolá fora, com a carapuçazinha fora. Ainda saíram! Eles saíram lá, então depois ele caminhou.
INF1 E quando foi na na guerra de 14, [pausa] aqui em Santa Cruz, também houve um navio [vocalização] por aí largado sem sem governo. Foi o Floriano ou quem foi? [pausa] Não sei quem foi agora. Saíram fora, numa lancha, foram botar a cabeça ao navio e ele arreou para trás. [pausa] E ele veio sem dizer o que é que estava no navio, que ele queriam constar que ele que era tudo gente morta que ia dentro dele.
INF2 Era tudo quê?
INF1 Gente morta que havia no navio. [pausa] Eu não sei se era o Floriano, se quem era o [vocalização] .
INQ E o navio andou sempre, foi?
INF1 O navio foi lá [vocalização] levado da da maré por aí abaixo, por onde Deus quis. Ele foi botar a cabeça lá no navio e [vocalização] e não disse a ninguém que é que é que estava dentro do navio. [pausa] E outro [pausa] O teu tio, tio do teu pai, o tio Formosinho é que era é que era o [vocalização] administrador. Foi ao bordo dele – também ia lá meio largado –, lá nu- numa lancha que tinham ali. E a lancha ia-se chegando para ele e ele com um, a modo de um canhão aproado à lancha. E ela ia andando e ele sempre com a pontaria a ela. E ele quando ele chegou: [pausa] "Que é que queres"? [pausa] "Queres um reboque para o ancoradouro"? [pausa] "Que força tens"? "Tenho força de trinta cavalos". "Oh, cheta! Isso não faz não me faz bulir daqui. Anda lá na tua volta, vai-te embora"! Não o deixou entrar dentro.
INQ Mas eram barcos de guerra ou?…
INF1 Não, eram barcos de de, de [vocalização] … Coisinhas de navios, os navios na-, na- eram pequenos nesse tempo. Mas eram de, da vez, de, de, de [pausa] de coisas de de carga. [pausa] Não, não eram de guerra.
INQ Mas antigamente como é que eles faziam para ir nas baleeiras para a, para a América?
INF2 Fugiam.
INF1 Como é que faziam?
INF2 Fugiam.
INQ Ele para fugir?…
INF2 Fugiam.
INF1 Para irem nelas, [pausa] ele era só com o, como o como tu se te der na cabeça amanhã, se ele se o Josué vier e meteres-te na lancha e os teus perguntavam: "Que é do João"? "Não se sabe dele. Foi-se embora".
INQ Mas as baleeiras costumavam parar aqui, é?
INF1 Paravam.
INF2 Eles fugiam de noite. Era de noite. Estava até o tio Jove, também fugiu e estiveram perdidos para [nome próprio], sem avistar, sem a sem verem a terra, com a ne- com a névoa ou coiso. E depois os guardas andavam aí. E eles E ele quando chegou a terra, ele ele disse então ao guarda: "Na- A este já não o apastoras mais". Risos Que eles pensavam que estavam perdidos.
INF1 Era o avô do tio Judas.
INF2 Caminhavam com as lanchas e depois deixavam -na [vocalização] a lancha largada no mar e caminhavam nas baleeiras para a América.
INQ Mas as baleeiras já sabiam, mais ou menos, que havia pessoas?
INF2 Já. Sabiam que estava gente aqui. [pausa] Agarravam-nos de noite e iam. "Oh, e a lancha"? "A lancha? A lancha ficar lá largada no mar e a gente andava"! A gente se pudesse pagar a lancha ao dono de lá, havia-se de pagar; se não se pudesse, pronto, o dono perdia. Não havia mais nada. Risos