INF Depois comecei [vocalização] a conhecer outras épocas, vim para aqui, [vocalização] comecei a aprender a sapateiro, pequenino; em vez de ir para a escola, fui aprender a sapateiro com sete anos.
INQ Rhum-rhum.
INF A s- Depois acabou-se, não havia sola para trabalhar, já eu tinha onze anos, já eu tra- ganhava como um [vocalização] um operário grande. Com onze anos! Era um artista já a trabalhar! Com os pezinhos em cima de um meio alqueire e em cima do banco – as botas eram maiores que eu quase –, e eu já fazia botas como um oficial qualquer, à mão; era tudo feito à mão. Depois acabou-se a sola, tive que ir para o campo.
INQ Ah, pois.
INF Eu e o meu pai e os meus ir- e mais dois irmãos que eram sapateiros. Fomos para o campo trabalhar. Depois começou a vir a sola outra vez, lá fui eu… Mas eu, em vez de ir para sapateiro, já fui servir, [pausa] para ganhar para os mais velhos! Pastar vacas, tratar de vacas,
INQ Pois.
INF [vocalização] andar a [vocalização] a dar águas aos sulfatos, com canecos às costas, a dois a dois homens, a sulfatar à mão…
INQ Rhum-rhum.
INF E… Ó pá, isso é…
INQ É uma vida!
INF Era uma vida! Ai, que vida, que vida! E ele cheguei a andar dois meses na azeitona. Lá no meu sítio há az-, há ol- havia olivais. Hoje não há quem amanhe uma oliveira, hem! Dois meses, vinte e tal pessoas a, apanhavam a apanhar azeitona, na Quinta de Nogueiras – chama-se a Quinta de Nogueiras. E eu fazia sempre aquela época toda, que era quando eu, rapaz, ganhava vinte escudos – que era o que se ganhava; um operário ganhava vinte escudos naquele tempo.
INQ Pois.
INF E [vocalização] E eu até era muito pequenino, o patrão pôs-me – era um caseiro muito ordinário que lá havia, ruim –, pôs-me a acartar água quase um quilómetro de lonjura. Com uns canecos de folha que havia de vinte cinco litros, com um arco, o corpo cheguei a cortar aqui a carne aqui com o arco.
INQ Que horror!
INF Fazia-me acachapar-me, ao meio do caminho, para ver… Que achava que eu que… Eu era assim muito teso, muito coiso,
INQ Rhum-rhum.
INF e queria ganhar sempre como os homens – não é? – e [vocalização] ele fazia-me acachapar, ao meio do caminho, para ver se o caneco vinha cheio ou não – que o caneco trazia uma bóia de cortiça para não deitar água fora –,
INQ Pois.
INF para ver se o caneco vinha cheio ou não, para eu o ganhar como os homens; senão não me pagava como aos homens!
INQ Meu Deus!