R&D Unit funded by

GRJ20

Granjal, excerto 20

LocationGranjal (Sernancelhe, Viseu)
SubjectNão aplicável
Informant(s) Ercília Elina
SurveyALEPG
Survey year1978
Interviewer(s)Manuela Barros Ferreira
TranscriptionSandra Pereira
RevisionErnestina Carrilho
POS annotationSandra Pereira
Syntactic annotationMárcia Bolrinha
LemmatizationDiana Reis

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.


INQ E o nariz serve para quê?

INF1 Para a gente tirar o o pus que Que se não fosse isso, a gente Olhe, uma como a mim morria. Porque eu tenho sinusite na cabeça. E quando eu trouxer estas dores muito grandes de cabeça e que a p- e a cabeça muito pesada, é é o pus que anda dentro.

INF2 Pois é.

INF1 E depois quando começa Se me deitar assim um bocadinho, assim que eu não gosto de me deitar assim de barriga para o ar mas se me deitar um bocadinho, eu sinto correr tudo para a garganta.

INF2 Ah!

INF1 Aquele pus. Depois, quando eu sinto correr, levanto-me, ponho assim no bacio, corre em fio. Tenho uma sinusite muito grande, eu. Diz que a apanhei de chorar muito, disse o senhor doutor.

INF2 Pois é.

INF1 E chorei muito, chorei. Chorei muita lagrimazinha. Aquele filhinho que me ficou fora, um homem. Se Se a senhora o conhecesse! Muito forte! Mais forte que o marido da senhora. Muito alto, muito elegante, o cabelo muito grifo, umas sobrancelhas muito carregadas, umas pestanas assim compridas, os olhos pretos, grandes, lindos! Era tão lindo! Não era? O meu filho, não era tão lindo?

INF2 Pois era.

INF1 Era tão lindo! Era um cravo! Aquilo era um cravo! E me ficou, nunca mais o vi. Nunca mais vi aquele filhinho. estava para se vir embora. lhe faltavam quarenta dias para vir embora. E na- E me ele ficou, me morreu. Chorei tanto, tanto, tanto por aquele filhinho, nem me quero lembrar dele! Chorei tanta lágrima e passei tantos trabalhinhos para o criar, tantos, tantos! Tanta fominha, minha senhora. Não tenho vergonha de o dizer. A gente vivíamos aqui e depois Que aqui não se ganhava nada, não havia trabalhos para se trabalhar. Fomos para Viseu, que o meu marido era de perto. Fomos para para Viseu, arrendámos para uma casinha, estivemos para Eu andava por a trabalhar e o pai a trabalhar, naquele tempo não se ganhava nada, não havia Não ganhávamos para comer. Passámos tanta fominha! Tanta fominha! Até que tivemos de nos tornar a vir-nos virmos aqui meter. Chegámos , não ganhávamos também nada. Eu tinha sete filhinhos em volta de mim. Depois o meu marido disse assim: "Olha, vamos para Lisboa". Foi a minha filha mais que está, chamamos-lhe a Ermelinda, Ermesinda. Foi para , coitadinha, nos para nos foi chamando, para nos foi cha-, para fomos todos. a gente ganhava mais alguma coisinha e eu trabalhava e ele trabalhava. E E começava um pequeno que tinha Com doze aninhos a carregar com com uma coisinha ao ombro, [vocalização] para uma drogaria, esfolava os ombrinhos todos, e tudo, coitadinho. Mas ia ajudando a ganhar. Para estivemos assim muito tempo, começámos a andar numa vendinha, eu e o meu marido, e íamos mantendo os filhinhos sem vergonha do mundo. Mas chorei tanta lágrima, minha senhora, tanta lágrima! Passei tantos trabalhos, tantos trabalhos! Eu se eu se pu-, ti soubesse ler, havia de fazer um romance. Fomos, ele ganhava vinte e cinco escudos, e eu ganhava Nem sei! Davam-me assim coisinhas de casa ainda. Assim rou- comidinhas e roupinhas para as crianças, e assim. E depois [vocalização] estivemos assim um muito tempo. Depois, um dia eu disse assim para o meu Emanuel: "Emanuel, e se tu saísses do trabalho, que ganhas tão poucochinho, e arranjássemos uma a ir vender uma frutinha, ou assim qualquer coisinha, que ganhássemos mais alguma coisa"? E ele, coitadinho, disse-me assim O meu ho-, o meu marido, quando era assim novo, era muito perfeito. Era muito elegante, muito E E, sabe, e sabe falar assim como que Não sabe ler nada mas sabe falar muito bem. Toda a gente gostava dele. E então eu disse-lhe assim: "Olha, ias à ribeira, compravas-me um cestinho de fruta e eu mais o Epicurito" que era o meu filho mais velhinho que eu tinha comigo "íamos por vendê-lo àquele prédio, podia ser que o vendêssemos". O prédio tinha muitos andares. E eram muito nossos amigos. Aquela gentinha toda era gostava de nós. [pausa] Depois me foi comprar um cesto de figos. Foi a primeira [vocalização] oferta, a primeira coisa que A primeira venda que eu fiz. Eu e o pequeno pegávamos era um cesto , pegávamos cada um na sua asinha, pelas escadas acima, de porta em porta, de porta em porta, vendemos os figuinhos todos. Ganhámos nesse dia sessenta escudos. Ah, foi uma alegria que eu sei ! E- Ele vinte e cinco, e nós sessenta. "Bem, ganhámos para hoje comermos e amanhã". E os mais pequenos. Estávamos numa sobre, sobre, sobre-cave, minha senhora. Estávamos todos metidos debaixo da terra. Que nos arranjaram , [vocalização] uma gente que estavam a viver, estávamos metidos. [pausa] Depois, bem, ao outro dia fomos, comprámos um cesto de de ameixas [pausa] brancas. Também as vendemos, também ganhámos uns cinquenta ou sessenta escudos. Até que eu desiludi o meu marido, digo-lhe assim: "Olha, se nos houvesse quem nos alugasse um triciclo" Que é um carrinho que Não sei se a senhora viu? Tem duas rodas à frente, tem um tabuleiro, e tem atrás como que é uma bicicleta, o que é, tem um tabuleiro assim, uma armaçãozinha de madeira aonde a gente punha a fruta. "Se arranjasses quem to alugasse [vocalização] por dia, a pagarmos" Arranjámo-lo a pagar dez mil réis por dia. Começámos a [vocalização] a ficar na venda, depois começámos a vender um peixinho. nos íamos governando. Começaram os p-, os rapazes a ir para a tropa, foram Tinha três, foram todos os três para a tropa. Primeiro foi um, e depois juntaram-se todos três. Ficámos nós [pausa] os dois e as pequenas e os pequenos a estudarem na escolinha, e assim, ficámos. começámos a ir, andávamos quando foi que o meu filhinho morreu. íamos ganhando assim alguma coisinha, eles todos ganhavam e então aquele filho [pausa] Não era por ser meu filho, mas coitadinho, recebia o ordenadinho dele, consoante o recebia assim no-lo dava. Eu às vezes dizia-lhe assim: "Ó Epifânio, [pausa] fica fica com alguma coisinha para ti, então, se às vezes" "Ó mãe, para mim chega-me as chegam-me as gorjetinhas"! E estivemos até que depois Quando ele morreu, olhe, perdemos o norte à [vocalização] Nem ele, nem eu governávamos vida. Ficámos doidinhos! Ficámos doidinhos por com aquele filho, viemo-nos embora. E os filhos casaram-se alguns estão casados e eu e mais ele Primeiro vim eu, depois veio ele ter. Ele curou aquela perna: ficou sem a rótula do joelho também logo atrás de o filho morrer. Depois ficou muito aleijado, n- não lhe deram nada, porque o ladrão do do patrão com quem ele andava a trabalhar O que tinha fez tudo no nome de duma filha ou dum filho, e não nos deu nada. Fomos para tribunal, não nos deu nada. Depois viemos-nos embora para , olhe, temos ficado Ele Ele aleijado e eu muito doente! Apanhei os diabetes, a ureia no sangue e nas urinas, uma sinusite, é o coração, é o fígado, é tudo. Mas vamos indo com a graça de Deus Nosso Senhor agora, olhe. Agora dão-nos aquela esmolinha da Casa do Povo [pausa] aos dois, a gente vai vivendo. a gente vai vivendo. Também nos dão alguma coisinha do meu filho mas dão-nos muito poucochinho. E morreu na nação mais longe que temos: foi em em

INQ Em Timor?

INF1 Em Timor. Morreu tão longe e e ganhamos muito menos que ganham por os outros. D- Dão-nos muito poucochinho. Mas então?! Mas havemos de viver vir até que Deus queira. Também a idade é Ele tem setenta e três anos. vai fazer setenta e quatro no dia dez do mês do Natal. E eu faço agora no dia dezassete setenta e um. [pausa] Mas claro. vamos com Deus Nosso Senhor. É assim.


Download XMLDownload textWaveform viewSentence view