PIC29

Ribeira do Meio, excerto 29

LocalidadeRibeira do Meio (Lages do Pico, Horta)
AssuntoO porco e a matança
Informante(s) Celestina Célia Boiardo

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INF1 Olhe, tive minhas irmãs à noite que me ajudaram a lavar as tripas e não tive mais ninguém. Tive duas até.

INF2 Foi uma.

INF1 Foi duas: uma é que trabalhou, a outra veio de mesmo. Não tenho sorte.

INQ Então, agora diga-me como é que se lavam as tripas.

INF1 Eu não tenho sorte nenhuma então de ter gente muita gente a [vocalização] me ajudar. Ele eu sei me determinar sozinha.

INF2 Não viram tudo.

INQ Mas como é que faz?

INF1 As tripas, o marchante, que é que abre o porco, é que desmancha as tripas. Desmancha as tripas com uma faquinha e vai puxando as tripazinhas todas, vai pondo-as todas direitas e a gente, depois no lavar, cortam as tripas. Vão puxando as tripas e vão cortando à medida que a gente quer, ou um metro, ou dois, ou da maneira que a gente quer. E [vocalização] a gente deita água, tem uma pessoa a deitar água, e a gente lava as tripas. Lava-as

INQ É com água? ?

INF1 É com água, lav- lavadas. E depois estão viradas, as tripas muito bem lavadas, a gente faz uma calda com sumo de de limão tangerino, por fora [pausa] das tripas, e lavam-nas bem lavadas. [vocalização] Em tempos passados não se fazia isto e comiam-nas. Risos Eu lavei tripas e não fazia nada disto! Agora não. Agora fica sempre um cheiro esquisito. A gente lava aquelas tripas bem lavadas, e depois, antes de virar, a gente faz-lhe uma calda de limão; e depois lavam-nas outra vez, bem lavadas, para tirar aquela coisinha de [vocalização] , aquelas miolinhas do limão. E [vocalização] enfia-lhe mais tripas. A gente faz uma calda com farinha, que é que sai aquela borra toda da tripa, e a seguir a gente deita salsa, cebola e o su- o limão picado para para lavar as tripas. pessoas que areiam com sal. Eu, por mim, não tenho sorte de arear com o sal, porque as tripas quando vêm dos porcos assim vêm como purinhas. a água, a gente no lavar, elas ficam de largadas. E [vocalização] E a gente lava as tripas bem lavadinhas, bem areadinhas, e lavam-nas em muitas águas E depois de ficar as tripinhas, a gente tira as linguiceiras, que é aquelas mais estreitas. A gente deita dentro duma duma cabouquinha de barro, ou dentro duma coisa plástica, para depois encher a linguiça, naquelas. pessoas que salgam; eu, por mim, não salgo porque tenho o frigorífico, meto dentro do frigorífico, está frescas. E [vocalização] mas há-de Mas pessoas que salgam-nas. São salgadas, as tripas, para depois lavá-las bem lavadas, e fazem uma caldinha com limão, para ficar frescas, para encher a linguiça. E a morcela, a gente vem para dentro, vão amarrando as morcelinhas à maneira que querem, assim em ponto pequeno, e [vocalização] é que são cozidas. A gente depois de encher aquelas morcelas, a gente deita um ca- um tacho ao lume, ou um caldeirão com água, sal e [vocalização]

INF2 Malagueta.

INF1 malagueta para a pele não ficar deslavada. pessoas que lhe deitam galhos de louro, eu nunca lhe costumo a deitar então. Deito sempre é o sal, a malagueta, e deito assim a, a as morcelas, mas pessoas que deitam o louro a ferver. Diz que lhe outro gosto, mas eu não sei.

INQ Mas com que é que enche as morcelas?

INF1 As morcelas, a gente enche As morcelas, é com a mão, dentro da tripa.

INQ Aquela massa que mete dentro, como é que a faz?

INF1 É cebola, a cebola picada. A gente deita cebola picadinha, miúda, no sangue e deitam [vocalização] A gente raspa noz moscada, pisa um alho, bem pisado, deitam mais aguardente nas morcelas, deitam canela

INQ Aguardente?

INF1 Sim. Deitam canela, canela na nas morcelas, deitam um tanto de canela na morce- nas morcelas. pessoas que usam adubo; eu, por mim, nunca uso, é a canela e a noz moscada e faz morcelas bem boas. Se fosse mais cedo tirava que eu tenho na freezer para provar. Mas a esta hora se o dia em que vier, que venha mais cedo e que queira provar Que eu tenho [pausa] na na freezer.

INQ Mas essa de pôr aguardente nas morcelas nunca tinha ouvido.

INF1 Não. Tem. outro gosto diferente na morcela. E até quem deite

INQ Mas é, é geral? no Pico toda a gente põe aguardente?

INF3 Deitam, senhora.

INF1 Eu, por mim E deitam-lhe s-, salsa na ce- salsa salsa

INQ E é o sangue cozido, não é?

INF1 É. O sangue vai a cozer dentro daquelas tripas; o sangue vai a cozer, juntamente com aquela cebola e aquelas coisas.

INQ Ai, ele ainda não está cozido?

INF1 Não. É tudo cozido à uma. Quer dizer, pessoas que cozem a cebola, quando é de rama Eu desta vez foi de casco. [vocalização] Na- Não gostei de cozer porque ficava mais numa numa papa numa papa. Agora quando é daquela de rama, eu gosto.

INQ A de rama é que é cozida?

INF1 Aquela re reseima toda tirada, fica a cebola daqui, tanto que até a gente não arrota nem nada. Nada, nada, nada! Não tem arroto nenhum da, da, da daquela reseima da cebola.

INF2 Eu quando como a morcela à noite, [vocalização] ponho-me a arrotar.

INQ Depois coze-as logo?

INF1 A gente [vocalização] , esta de casco, a gente coze juntamente com a tripa, tudo cozido. O sangue vivo, e tudo, é tudo cozido com a tripa. Mas sendo de rama, a gente na-, na costuma a cozer fora, a rama, que é para depois então meter na tripa. É cozer depois o sangue e a tripa. E quem deita vinho nas morcelas. Logo que não sangue bastante, é vinho é que se manda para dentro.

INF3 Vinho branco.

INF1 Isso é que não. Vinho tinto! estive numa matança que não tinha sangue bastante, que era aquela mastrulhos emparcados e nada de coiso, e pegaram em dois copos de vinho e deitaram-lhe dentro. Eu também nunca tinha visto. Mas diz que fazem. E por acaso, provei morcelas de e não estavam tão des-saborosas.

INF2 E ficaram saborosas?

INF1 Ficaram. Por acaso, ficaram.

INF2

INF1 Aquilo logo que não sangue, tem de se resolver de qualquer maneira. Não, mas se fosse mais cedo, eu amanhava morcela para para comer.

INQ Não. Isso não, não, não. Não quero que esteja a arranjar nada de propósito.

INF1 Não? Não custava.


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