INF1 Pois a gente para aqui, [vocalização] com respeito à lavoura, a gente se for a principiar no princípio, no princípio, tem um romance muito grande. Porque hoje… A lavoura hoje, a lavoura hoje está boa. Mas no princípio não aboava. No princípio, era só economizar. [pausa] O fulano fazia um prédio de renda [pausa]… Até eu vou dizer ao senhor…
INF2
INF1 [vocalização] Eu vou dizer ao senhor ainda duma outra maneira: [vocalização] fazia-se um [vocalização] pequeno pasto… Fazia-se um alqueire de pasto [pausa] por dois escudos e meio. Bom, é como hoje há uma moeda de dois escudos e meio, não sei se no continente também há?!
INQ1 Há.
INF1 Mas é uma moeda de dois escudos e meio, mas naquele tempo era, em dinheiro, fraco – o senhor está percebendo o que é?
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Um alqueire de pasto por dois escudos e meio, um alqueire de terra [pausa] a saco – a saco, é seis alqueires… Os senhores lá há-de ser outra conversa, mas a gente é aqui é.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 E de maneira que isto agora foi trepando por aí acima. Foi trepando, foi trepando, foi trepando que hoje arrenda-se um alqueire de pasto a mil e quinhentos escudos, hã?! Veja lá o senhor, de dois escudos e meio [pausa] para este dinheiro, a que é que se chegou, hã?!
INQ1 …
INF1 As terras é a mesma cousa: mil escudos, mil e quinhentos. Naquele tempo dos tais dois escudos e meio, [vocalização] semeava-se um cerrado. [pausa] A terrinha mais fraca era para o tremoço, ou cevada, ou [vocalização] umas favas de grão; e a terrinha melhor, a gente ia cultivar com umas soquinhas de milho, mas tudo em fraco, porque não havia o dinheiro para botar o adubo. Hoje semeia-se em qualquer uma parte, dá sempre muito porque o adubo é que faz dar – está o senhor percebendo o que é?
INQ2 Pois.
INF1 E agora naquele tempo não era assim. Naquele tempo era miséria! Naquele tempo era miséria! Mas hoje é uma abundância em tudo. Eu tive aqui neste curral, aqui de diante, e numa hortazinha que estava aqui… [pausa] Eu tenho ali batatas naquela casa [pausa] e já vendi dez sacas de batatas! Só da metade do que esta produziu aqui – que a outra metade foi para casa dum filho meu ali para a banda de baixo – só esta terra, hã, um nada de terra,
INQ2 Sim.
INF1 produziu isto tudo! Porque é? O adubo que se botou. Se não se botasse o adubo não não havia. Porque naq- naquele tempo semeava-se um bocadinho de batatas, mas era na terrinha mais fraca, que a melhor era para semear umas soquinhas de milho para a gente comer.
INQ2 Pois.
INF1 Era na terrinha mais fraca! Não levava adubo, não levava nada, que é que havia de dar?! Então naquele tempo, a gente dizia: [pausa] "Homem! [pausa] É batata-carvalha! É batata-rainha"! E era as sementes daquele tempo. Hoje já não é assim. Hoje vai-se ao grémio da Praia [vocalização] para arrolar batatas, para vir de fora para aqui. Já querem sementes novas. Sem- Trazem este ano semente nova, semeia-se; já para o ano carece trazer outra. Usam daquela, mas já carece trazer outra para ir reformando, para ir dando – a senhora está percebendo o que é?
INQ2 Pois, pois.
INF1 Senão [vocalização] É que ele as coisas hoje estão diferentes dominado à moeda. A moeda é que está fazendo isto. Se não houvesse a moeda como não havia naquele tempo, [pausa] não se fazia isto. Mas naquele tempo não havia a moeda, era só se fosse com estrume ou ou uma coisa qualquer que é que podia dar. De resto ele mais não dava. Era… Era penar! Naquele tempo era penar! Hoje está tudo na lavoura, está tudo nos terrenos, tudo dominado ao adubo. Hoje talvez se crie – txhh!, eu não quero mentir mas –, talvez mais duas partes ou mais do que o que se criava naquele tempo.
INQ2 Pois, pois.
INF1 Porque é? Os terrenos é os mesmos. É o adubo é que não é o mesmo, porque naquele tempo não havia adubo e hoje há o adubo. Dá para o dobro de sustentar os [vocalização] animais que havera de sustentar, está o senhor percebendo o que é?
INQ2 Pois.
INQ1 Pois.
INF1 Hoje as coisas estão todas assim desta maneira. A gente naquele tempo, os animais [pausa] eram esfregados e a gente… Porque [vocalização] era tudo trabalhado com os animais. Ainda tenho ali uma grade, [vocalização] cangas, tamoeiros, [vocalização] coisas ainda daquele tempo. Era a gente… Moía-se com os animais… Elas faziam lama, que apanhavam mau tempo amarradas naqueles lugares, faziam lameiro para ali, aquela lama secava, sem lhe poderem chegar a ela, a gente ia para ela com os animais, era seca! Arrebentava torrãzada para ali!… Que depois a gente ia para partir aquilo, às vezes até era com o próprio malho de bater nas estacas, a gente ia batendo naqueles torrães para ver se explodia aquilo! E depois com as grades é que gente ia partindo aquilo! Era penar! Hoje não se pena! Hoje a gente chega ao cerrado, senta-se assim contra a parede, aí está o tractor [pausa] para trabalhar a terra! Acaba de trabalhar a terra, a gente… Ou [vocalização] Há mesmo hoje quem faça isso com um cavalo, [pausa] outros com uma junta de reses. Abrem o rego, bota-se-lhe o milho, bota-se-lhe o adubo – se querem botar o adubo –, dá-se-lhe uma grade de costas, que é como eu lhe estou dizendo que tenho ali, pronto, está o cerrado semeado! E a gente naquele tempo não era assim! A gente naquele tempo ia primeira, segunda e terceira vez ao mesmo cerrado, para a gente lhe poisar nas condiçães de se poder semear milho. E hoje já não é nada disto!
INQ2 Pois.
INF1 Hoje é Hoje está tudo a favoral da gente! Tudo a favoral da gente! Não era naquele tempo. Naquele tempo, [pausa] eu sei lá! E era cais, as mãos cheias de cais, era os dedos dos pés gretados naqueles torrães secos, gretava, eu sei lá! Eu sei lá o que a gente penava! Hoje não se pena nada! Hoje Hoje o povo da nossa ilha [pausa] está-se consolando! Porque vinha para aqui gente da América e [vocalização] e diziam à gente aqui… Gente que já morreram até! Penava-se também na América muito! [vocalização] "Homem, a gente na América, [pausa] [vocalização] a gente faz isto, faz aquilo, sentados! [pausa] Tem máquinas de fazer isto de fazer aquilo"! E a gente, talvez [pausa] alguma vez a gente dissesse assim… Diz: "Homem, aquilo também está é a mentir para ali! Está é a mentir"! Mas já chegou cá! Mas já está cá! Já está cá que o fulano sentado faz trabalho! Mas é como se fazia lá, a senhora está a perceber?
INQ2 Pois, pois, pois.
INF1 Mas a gente parecia-lhe aquilo mal, aquela conversa! Mas já está cá tudo, essas coisas!