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UNS12

Unhais da Serra, excerto 12

LocationUnhais da Serra (Covilhã, Castelo Branco)
SubjectNão aplicável
Informant(s) Delmiro Dinora Diomedes
SurveyALEPG
Survey year1997
Interviewer(s)Gabriela Vitorino João Saramago
TranscriptionSandra Pereira
RevisionAna Maria Martins
POS annotationSandra Pereira
Syntactic annotationMélanie Pereira
LemmatizationDiana Reis

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INF1 Olhe que eu tinha tinha livros do tempo da Inquisição.

INF2 Teve um livro, como é que se chamava? O Palavrófio?

INF1 O Palavrófio.

INQ1 O quê?

INQ2 Palagrófio?

INF2 Sim.

INQ2 Não sei o que era.

INQ1 O que era?

INF2 Ai, um livrinho tão antigo, tão antigo!

INF1 Ainda era do tempo que não havia máquinas de escrever à mão.

INF2 Tudo a, a [vocalização] a, pois, escrever com estas escritas

INQ2 Sim.

INF1 Eu uma vez fui à Covilhã que eu fui eu fui muita vez; [vocalização] dormi em tanto lado fui então [pausa] e para apanhei boleia, que foi o Deolindo ali que me trouxe.

INF3 O senhor Deolindo ali da farmácia.

INF1 E eu os papéis, ah!, nunca os avenho. Tinha uma rima! Livros que eu sei ! Agora é que não! os levou a minha aqui a minha nora. E eu tinha três filhos, os dividi por todos os três. E ele veio a casa para me perguntar pelo jornal do do Dinis. E eu tinha , [pausa] do pai dele. Do pai desses Dinis, que era um homem que vossemecê não calcula, nem sabe nem a metade! A barba chegava-lhe até aqui. Foi daqueles que chegou à c-, a a Lisboa [pausa] Dois homens que aqui foram presos e estavam ali na em Lisboa, no barco, para embarcarem, para nunca mais os verem. [pausa] As mulheres deles, aqui, pediram ali ao senhor chamam Deucalião Dinis [pausa] e ele disse: "Quem vai sou eu"! Ele chamava toda a gente por tu. Até o próprio pai dele tio chamava por tu que era o Diogo. E vai daqui para Lisboa [pausa] e chega diz para o que estava para embarcar com o barco, com eles dentro:

INQ1 Pois.

INF1 "O barco está aqui três dias e três noites à minha ordem. Tudo o que houver, pago eu. [pausa] Não abala daqui o barco sem estar comigo, sem eu dar ordem. [vocalização] Aqui este Como é a minha fotografia? Eu sou Desidério Deucalião Dinis, filho do primeiro conde do Refúgio da Covilhã".

INQ1 O primeiro conde de onde?

INF3 Da Covilhã.

INF2 Do Refúgio.

INF1 Do Refúgio da Covilhã.

INQ2 Do Refúgio.

INF1 "Sou filho do primeiro conde, do filho do do primeiro filho do conde do Refúgio da Covilhã"! E então o barco esteve à ordem dele. [pausa] E ele daqui para além, dalém para aqui, foi falar com o Salazar. [pausa] Mas ele deu três dias para ir falar com ele.

INQ1 Pois.

INF1 , falou com ele e pediu-lhe então para botar aqueles homens, que um que era tinha amparo de mulher, que era a mulher aleijada, [pausa] faltava-lhe um braço.

INF3 Faltava-lhe um braço.

INF1 E o outro tinha quatro filhos pequenitos, que visse , que era preciso criá-los. E então [vocalização] o Salazar obedeceu-lhe.

INF2 esse homem é que tratou por senhor, o mais era tudo por tu.

INF1 Ai [vocalização] , esse senhor chamou o Salazar por senhor.

INQ1 Claro.

INF1 Não é tu , tu .

INQ2 Rhum-rhum.

INF1 Sim, e uma vez, no tribunal, tinha um pedido para o tribunal, para o doutor juiz, mas o doutor juiz não lhe quis obedecer. Ele vai com uma bengala, aperta além com ele pela cabeça, uma trancada pelos cornos, os [vocalização] outros que estavam partaram todos a fugir. E não quiseram nada com ele!

INQ1 Ele era um homem muito valente!

INF1 Mas era no tempo da monarquia!

INF2 Ai, toda a gente tinha medo dele!

INQ1 Ai era? Mas ainda se lembra?

INF2 Eu não. Eu não. Ouço contar.

INF3 É o que ouve, é o que ouve!

INF2 Ouço contar a história.

INF3 Esse era então Esse livro era desse tempo.

INQ2 Rhum-rhum.

INF3 Depois, o senhor Diágoras, calharam assim a vir a falar um bocado nele, e ele disse que tinha o jornal de quando ele morreu. Disse assim: "Olhe, há-de-mo mostrar"! Ele veio a casa, mas eu o não tinha.

INF1 Estava mas é do filho.

INF3 Estava mas era de, de do filho.

INF1 E tinha-o bom.

INF3 Ele disse: "Olhe, não é desse que me eu interes- que me interessava, era do próprio pai"! E depois viu então aquele livro, que chamava ele o Palavrófio, "Posso"?

INQ1 Pala- quê?

INQ2 Palagrófio.

INF3 Palavrófio.

INF1 Palavrófio.

INF3 Disse: "Olhe, ó senhor Delmiro, eu levo este livro e depois"

INF2 "Empreste-mo"!

INF3 "Empreste-mo que eu eu depois devolvo".

INF1 "Ai, este tem que mo emprestar! Ai, este tem que mo emprestar"! "Então leve-o"!

INF3 Claro, o homem também não lho deu, ele também lhe ainda o não pediu. Que se pedisse, o homem, claro

INF1 Eu não o li

INF2 Eu também tenho apenas

INQ1 Mas custava a ler, era?

INF3 Era.

INF2 Tenho apenas a quarta classe. É escrito à m- à mão, assim, [pausa] parece que é a fugir ao resto

INF1 [vocalização] Era no tempo da antiga lei. No tempo da Inquisição.

INQ1 Pois, pois, pois.

INQ2 Que engraçado!

INF3 [vocalização] Era muito importante. E o homem disse assim: "Olhe, eu depois dou-lho, ó senhor Delmiro. Eu depois devolvo". Claro, o homem, pronto, a gente se lho pedisse

INF1 o não largou. Assim que lhe foi à mão

INF3 A gente se lho pedisse, ele o tinha dado. Que ele logo disse que o dava. E a gente, claro [vocalização] Temos Bem, amanhã [vocalização] os netos até o podiam ler, que agora andam a estudar, não é?

INQ1 Pois, pois.

INF3 o podiam ler. Mas, um dia que calhe, depois a gente ainda lho pede. E tínhamos então muito livro! Mas muitos!

INF1 Eu não aventava nada.

INF3 Ele os não lia porque não via.

INF1 E os do Espírito Santo, [pausa] aceitava. Que eu tenho a Bíblia do Espírito Santo. Tenho dos Católicos. [pausa] Portanto, eu não os avento.

INQ1 Pois, pois.

INQ2 Rhum-rhum.

INF1 Estão ali. Não pagam pão!

INF3 [vocalização] Ele Ele os não lia

INF1 agora os não tenho.

INF3 Ele os não lia, disse eu assim:

INF1 Ainda a minha sogra trabalhava.

INF3 "Então, olha , tu não lês os livros, eu não sei ler, então que andam agora aqui a fazer? Divide-os com os netos"! Disse-lhe e ele então [vocalização] E os netos os levaram.

INF1 E esse do pai deles, eu tinha-o , mas a minha filha, coitadinha, quando ele os meus filhos eram pequeninos, para os calar, não sei, dava-lhos, para se entreterem

INQ1 Ai, e eles rasgavam.

INQ2

INF1 E desapareceram-me.

INQ2 Rhum-rhum.

INF3 A gente, às vezes, não os sabia calar!

INF1 E eu agora tenho tinha mas era desses de agora. Onde é que eu tenho agora jornais dos netos?

INF3 Às vezes não se acudiam calados, e a gente o que os queria era calados, às vezes dava-lhe um papel.

INF2 Papel.

INQ1 Claro.

INF3 [vocalização] Pronto, eles, brinquedos, não os tinham.

INQ1 Claro.

INF3 Porque a gente, claro, não dava para lhe comprar brinquedos que não era como agora, que agora têm tudo , a gente não tinha Sabe como é que se eles entretinham a brincar? A gente andava por a trabalhar, e eles então apanhavam assim o sujo das cabras chama-lhe a gente caganetas , [vocalização] apanhavam aquelas caganetas, faziam então assim um um bardo, na própria terra, botavam para , estavam a brincar com aquilo. Diz que eram as cabras. Estendiam assim: "Esta Esta é a Amarela, esta é a Branca, esta é"

INF2 Brincavam assim.

INF1 Como ouviam, assim

INQ1 Pois claro.

INF3 Brincavam assim, coitadinhos.

INQ2 Gostavam de brincar

INQ1 Pois claro.

INF3 A gente, às vezes, em casa : :[pausa] "Olha"! Estavam a chorar, "Olha isto"! Dava-lhe um papel, uma coisa, se entre- se entretinham. A gente o que os queria era entretidos para se fazer a vida.

INQ1 Claro. Pois claro.

INF3 Como lhe acabo de dizer, não havia assim brinquedos como agora.


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