INF A gente, ele vivemos para trabalhar e para [vocalização] para atender ao que faça falta, não é?
INQ1 Pois, tem que ser. Para os filhos também.
INF Para os filhos. Olhe, vi-me um bocadinho aperreada [pausa] porque quando [vocalização] o meu marido morreu – só estive casada catorze anos –, [pausa] e [vocalização] a mais velha ainda não tinha…
INQ1 Ainda não tinha quase a escola …
INF Ah! O, o, o ma- A mais novinha, que é esta, tinha dois anos e meio! Veja lá, tudo pequeno. A gente viu-se mal. O que me vale tinha uma irmã – que também já faleceu, coitada –, [pausa] e essa ajudava-me muito. Essa ele estava solteira e andava assim a servir sempre pouco. Pouco, pouca gente… Tra- Trabalhava era de cozinha e assim pelos fidalgos – não é? – e ganhava um ordenadinho grande. E ajudou-me muito a criar os filhos. Isso digo quanto é verdade. Deus a tenha no céu que! E depois pouco trabalhinho me deu que ela… O bocadinho que tinha deixou-mo a mim. Nós éramos cinco raparigas e dois rapazes – [vocalização] irmãs minhas. E ela ficou assim a viver comigo aqui na casa, não é? A casa ficou para mim e ela ficou a viver comigo. E depois ajudou-me muito. E depois, coitada, também teve uma morte muito, muito triste. Foi para Estava em Lisboa [pausa] – e eu tenho um sobrinho casado em Leiria – e [vocalização]: "Vou passar o Carnaval com o sobrinho a Leiria". Ele a patroa dava-lhe o dinheiro para vir para acá e ela diz: "Ah, vou onde ao Antenor que eu nunca fui a Leiria e vou a Fátima". Foi para lá. No dia de Carnaval foram para baixo, para a Marinha Grande, ou não sei o quê, e ela muito muito satisfeita. Depois – segundo contavam – [pausa] veio um [vocalização] um vagabundo que vinha meio bêbedo, deu uma meia… E ele diz que já ia devagar, o meu sobrinho, ia desviar-se. Foi contra ele mat-, atrás matou um homem, que vinha de mota, atirou com o homem e matou-o. E veio adiante, veio dar no carro do meu sobrinho e consoante o carro deu no carro do meu sobrinho, o carro revirou [pausa] e bateu num poste… Olhe Olhe com que força não bateu no poste que lhe ele deu com força que partiu o poste da luz! E caiu para baixo para um [vocalização] monte. O meu sobrinho pouco sofreu e a mulher e um pequenino que traziam com eles. Mas ela ia [vocalização] era atrás, deu com a cabeça em cima, [vocalização] foi logo no crânio. Pronto! Ainda esteve Ainda esteve seis semanas em estado comum – comum ou comum, ou não sei quê – no hospital de de Coimbra. Ali, ali assim, seis semanas!
INQ1 É triste essa, esses…
INF Veja lá, nem nem falar, nem… Assim, ali assim.
INQ2 Coitada!
INF Depois, lá me faleceu; depois trouxemo-la para acá. E E fomos vivendo. Mas ela ajudou-me muito! Foi a que me ajudou, coitada.
INQ1 Pois é. Naquele tempo era muito duro ter-se seis filhos e…
INF A vida era assim: dura de de romper com ela. Trabalhava-se muito!
INQ1 Pois.
INF A gente, olhe que íamos… Eu ia [vocalização] para os lados de lá daquela serra, às Arcas – os senhores não devem saber onde são as Arcas lá do lado dacolá –, ao milho. A gente colhíamos pouco milho porque havia pouco quem o vendesse. Eu ia buscar trinta quilos de milho à cabeça [pausa]
INQ2 Lá para cima?
INF lá para cima, para detrás daquela serra que se vê acolá. Tudo para alá, mas muito longe! Que Que a gente levava-lhe mais [vocalização], a andar [vocalização], duas horas e meia a lá chegar. E [vocalização] E a gente, ai, custou muito! Depois, [vocalização] ainda tecia… A minha falecida mãe tecia; eu ia levar as coisinhas que ela tecia. Eu ia ou para os lados de Âncora – que se ande para a banda de lá –, ou para os lados donde tenho as irmãs, para o lado da Arzela [vocalização] para levar a vida, para a gente ganhar u- uns tostõezinhos para poder [pausa] romper com a vida.
INQ1 Portanto, mas a senhora tecia por encomenda ou tecia e depois ia vender assim?
INF Não, não. Eu tecia por encomenda. Quem encomendava, às vezes, davam até o, a, o [vocalização] a lã e assim [vocalização]. E [vocalização] a gente tecia e depois ia levar. Ganhava aquele bocadinho, só.