INQ A senhora conte-me lá, quando, quando nasce uma, uma criança, o, como é que se cuida da criança, o que é que se lhe faz, o que é que se lhe veste?
INF1 É.
INQ Conte-me como é que foi da sua filha.
INF2 Eu já nem me lembra. Risos A minha filha foi muito bem. A minha filha, isso devia-me eu queixar, foi devagar. Eu já tinha trinta e seis anos quando a minha filha nasceu. Mas eu ainda, ali à tardinha ao pôr-do-sol, ainda fui para casa da minha tia fazer uns biscoitos. Naquele tempo não se usava pão como se usa hoje. E é que isso eu estava com o ouvido à escuta de ser [vocalização] em poucas horas. Disse: "Eu vou é fazer um quilo ou dois de biscoitos, porque sendo preciso, alguma pessoa que esteja mais eu, sendo preciso, com um pingo de café, já me arremedeio. Não quero ir sair para as casas de ninguém pedir um bocado de pão". E assim foi. Chegou-se ali ao pôr-do-sol, eu fui para casa de minha tia e fiz uma coisinha de biscoitos. E depois vim para casa… Mas já estava a [vocalização] queixar-se, somenas. Pegava num braçadinho de lenha, chegava aqui ao caminho – que ainda nessa altura não tinha forno –, parava um instantinho, parava mais adiante, parava outro instantinho, e fui andando assim e fiz os meus biscoitos. Depois vim para casa, mas depois então rebentou-me a bexiga de água. E depois eu estive-me lavando, peguei numa toalha turca, branca, que tinha, dobrei-a e pus em mim, e ainda fui para casa de minha tia, eu mais o meu marido, moer uma fornada de milho. Mas depois vim para casa. Já quando vim para casa, ainda tive o ferro aceso para passar um guardanapo e um lenço da mão; era a mania de não querer ter nada por passar de ferro. Mas então já o lenço da mão, ia quatro e cinco vezes, para bem de o passar. O meu marido disse que ia chamar minha mãe. Digo: "Não se vai chamar ninguém. Que eu quero impar sequer aqui à minha vontade"! E foi me- foi mesmo assim. Diz ele: "Ah, mas eu não estou aqui sozinho, eu mais tu, porque não compreendo nada disso". E ele, coitado Mas eu não me queria deitar, queria estar era sempre em pé, cá à minha vontade. Diz ele: "Não, mas vais-te deitar e eu vou a casa de tua mãe". Lá eu me deitei e ele foi lá. Era meia-noite e dez minutos quando minha mãe chegou aqui. E era uma hora e dez, eu já estava na cama com a minha filha. Mas foi então: ela foi aqui chamar uma vizinha, para estar com ela – porque ela tinha medo, como eu já tinha mais uma idadezinha –, e depois, mas, foi quando ela chegou, foi logo, em coisa de uma hora. E elas depois obrigaram-me a pôr de joelhos. Digo: "Ah, não! Vocês! Eu quero estar é em pé, quero ir para o céu"! "Então estandes em pé e a pequena nascendo, ela morre-te"! Eu era mesmo estropelinas! Olha, lá me obrigaram a pôr de joelhos, e eu fui: "Olha, é agora"! Foi como um peixinho-rei, foi um instante! Nessa altura, era sempre à moda antiga! Diziam elas: "Ó Graciano vai à cozinha buscar uma garrafa que é para ela assoprar no gargalo duma garrafa". Ele era. Olhe, ele tão depressa deu a volta, deu dois passos, [vocalização] veio veio o parto. Foi assim tudo em segundos. Fiquei desembaraçada. De maneira, eu que pedi? "Olhem, vocês"… Tinha então as minhas coisinhas todas arranjadinhas, a roupinha da miúda, e mesmo roupa para mim. Dei-lhe o meu bocado de pano de turco: "Olhem, vocês ensaboem-me este paninho". Lavei-me, enxuguei-me e fui mesmo por os meus pés para a cama. Fui então muito feliz! Porque já tinha uma mancheia de anos, e foi indo só assim. Que foi mesmo em casa, não precisei… Já havia hospital! Mas eu não queria ir para o hospital. Foi então mesmo em casa. E depois elas então minha mãe então é que cuidou disso: é que corta o umbiguinho à miúda, e é que lhe deu o seu banhozinho geral. E então, naquele tempo, também usava-se as suas cintazinhas de flanela, com quatro arreatazinhas, que se amarrava. Mas elas punham então um bocadinho de unto sem sal e uma coisinha de tabaco.
INQ Punham o quê?
INF2 Uma coisinha de unto sem sal e uma coisinha de tabaco.
INF1
INF2 Deste tabaco que se cheira, deste fininho.
INQ No umbigo?
INF2 No umbigo. E depois, dali, lavavam a pequenina e depois tornavam a pôr aquilo. Acabante cinco, seis diazinhos, cai aquilo tudo fora e fica o umbigo saradinho. E lá vestiram-na. Depois a minha mãe dizia assim: "Olha, toma cuidado! Tu não dês em dormir! Porque isto às vezes dão em dormir, mas isto depois deitam umas cordazinhas amarelas ou coisas por a boca, que depois elas às vezes sufocam"! Ai, eu levei tanto tempo, eu tola, com sono e não queria dormir, porque estava sempre lembrando que ela que podia não esquecer-se de tomar fôlego. Foi Foi uma aflição. Foi uma aflição. Mas à conta de Deus está aqui, coitadinha, já é uma amiguinha duma pessoa.
INQ Olhe, e o que é que lhe punha no rabito para ela não, não fazer?…
INF2 Ai, eu punha-lhe sempre as minhas fraldinhas. Mas, sempre precisei de trabalhar, que eu sou uma pessoa que saio muito, paro pouco tempo em casa. Tem que se ga- A pessoa é pobre, tem que se ganhar a vida! Mas nunca saí… Olha, levava levava o bercinho para casa de minha mãe, atravessava-lhe uma tabuinha por baixo do berço, pedia a qualquer pessoa que passava pelo caminho para me ajudar. Mas não deixava de não lhe dar o seu banhozinho de manhã – só [vocalização] adoçar o cuzinho –, pôr-lhe a sua fraldinha, e usava as suas calcinhas plásticas. Mas ia sempre com o seu biberonzinho, com as suas papinhas, ou o tachinho, outra vez, com outras preparadinhas para a minha mãe lhe dar, para as onze horas, e as suas fraldinhas sempre lavadinhas e passadinhas a ferro, tudo na os pés do bercinho, para eu poder levar tudo à cabecinha, e lá ia eu com a minha malinha na mão para ir trabalhar para a fábrica. Agora a minha pequena era muito boazinha!
INQ Mas o berço era muito pequenino, então!
INF2 Não era muito pequeno, era um berço bom! Agora eu é que era valente! Era forte! Por isso é que podia bem com o berço. E era assim.
INQ Mas era daqueles que, que se?…
INF2 Embalava, embalava. Era um berço bom, e então era de madeira boa, de madeira de castanho. Era pesadíssimo!
INQ Já não o tem?
INF2 Ah, ainda há esse berço, parece-me que em casa da minha tia Carolina, não é? É.
INF1 Não.
INF2 Ainda está lá.
INF1 Do tio Belisando.
INF2 Está em casa da tia Carolina. Não, já veio.
INF1 Oh!
INF2 Criou uma mancheia de famílias o tal berço. Era duma madrinha dela. Criou cinco ou seis filhos dela. E criou os nossos seis filhos – a gente é que éramos irmãos, que era a minha mãe, que isto é uma irmã [vocalização] de minha mãe –, e criou os seus seis filhos. E minha tia teve oito, e eu tive esta, e minha irmã teve três e ainda emprestaram a umas de fora, assim como a Hermínia, e emprestaram para meu irmão Belisando também, que criou dois… O que aquele berço tem criado de de famílias! Mas a madeira era muito boa! E ainda está bom! Ainda está bom. Mas penei muito [pausa] para a criar. Mas nunca deixei… Eu vinha da fábrica [pausa] fazer a minha comida para tornar a ir no outro dia, e lavava a minha roupinha, mas também às onze da às onze horas da noite, eu acendia o meu ferro com as su- com as minhas brasas, e em cima duma caixinha em cima duma caixinha, eu passava a roupa toda da minha filha. E ela nunca vestiu peça de roupa que não fosse passada ao ferro! Agora já Agora já vai, que umas sobrinhas às vezes dão, ou coisa assim mais passageira, ou uns nylons, ou coisa assim, já escapa. Mas em pequenina nunca vestiu peça de roupa que não fosse passada a ferro. Nunca lhe pus uma fraldinha que fosse! Mas ela então também era muito limpinha! De sete meses, nunca mais usou fraldas! Fiz-lhe as suas calcinhas de calção- de calçãozinho com os seus elasticozinhos… Ela era muito… A gente gabava, ficava muito engraçada! Porque tinha-lhe feito muitos poderes, urinava umas, ia mesmo ao bacio ou a uma selhinha, aquilo com uma camadinha de sabão, lá se punham num malheirinho [pausa] a enxugar, nunca lhe faltou calças e andava sempre composta e nunca mais me deu trabalho a lavar fraldas nem a coar as fraldas. Que as fraldas são muito engraçadas, mas hão-de ser brancas. Sendo encardidas, velhas, não se podem ver. Agora é assim. Mas então tinha a minha presunção de a criar bem criadinha!
INQ Olhe, e para ela adormecer, cantava-lhe alguma coisa?
INF2 Às vezes. Agora já nem me esquece bem como era as cantigas, mas às vezes dizia também qualquer tolice. Nunca foi pequena de pegar no sono no colo. Chateava-me muito. Nunca pude ir a lugar nenhum, fosse a um baile, ou a um lugar qualquer, porque ela nunca se acertava para pegar no sono no colo. Vá de viravoltas no colo e punha-se de bruços, com os joelhos em cima das pernas e nunca havia maneira de pegar no sono. Que a gente quando pega numa criança, a gente deita-a por cima do bracinho fora, e ela fecha os olhinhos para pegar no sono. Esta nunca pegava no sono. Sim senhora.
INQ Mas o que é que lhe cantava? Diga lá.
INF2 Eu já nem sequer me recorda o que é cantar.